Novo Ensino Médio: a arquitetura de uma vida sem sentido
Ainda não há previsão orçamentária adequada para a implantação do NEM na maior parte das unidades da federação

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 22/04/2023 às 04:00 | Atualizado em: 22/04/2023 às 09:44
O Novo Ensino Médio (NEM) é uma tragédia para os(as) jovens brasileiros(as). Com efeito, esta tragédia tende a vitimar de forma mais verticalizada os(as) filhos(as) dos(as) trabalhadores(as) de baixa renda. Estes(as) jovens serão condenados(as) a uma vida sem sentido.
Diversos fatores apontam para este devir, dentre os quais o fato de que a maioria nem sequer conseguirá finalizar o tal NEM. E, mesmo que estes(as) jovens o finalizem, o nível de conhecimento adquirido nesta nova modalidade de ensino será tão precário que eles jamais conseguirão entrar em alguma universidade ou escola técnica. Não estou dizendo que o Ensino Médio anterior era melhor, nada disso, mas este “novo” já nasceu velho. É muito pior.
O objetivo da burguesia nacional – a classe que pensou, patrocinou e que vem fazendo lobby para a manutenção do NEM – não é outro senão o de impedir, por meio da própria escola, o acesso ao conhecimento e, com isso, impossibilitar o pleno desenvolvimento e a emancipação dos filhos e filhas dos(as) brasileiros(as) mais pobres.
Devo reconhecer que este plano foi brilhante. Contudo, mesmo com a retórica de modernização da educação de nível médio no país, na prática promover-se-á, em médio e longo prazo, a maior exclusão socioeconômica da história da República Brasileira.
Em alguma sala refrigerada da Fundação Lemann, ou em alguma reunião da ONG Todos Pela Educação, alguém deve ter indagado: como poderemos contribuir para o aumento da oferta de mão de obra barata no Brasil e ainda reservar vagas nos melhores cursos das principais universidades para os nossos filhos?
A resposta deve ter vindo de bate-pronto: criando-se um novo modelo de educação, um Novo Ensino Médio. Neste ponto, alguém pode nos objetar e questionar: mas por que o NEM é tão ruim assim? Ao que eu respondo indicando alguns retrocessos e falhas no projeto.
Em primeiro lugar, o NEM não foi amplamente debatido com a sociedade, com as entidades representativas do setor de educação no país. Ele foi criado a partir de uma Medida Provisória editada no governo de Michel Temer.
Em segundo lugar, houve a redução da carga horária de unidades curriculares fundamentais para a formação dos(as) jovens, principalmente nestes tempos hodiernos de forte Globalização e de Revolução Técnico-Científica e Informacional, como: Sociologia, História, Filosofia, Geografia, Química, Física, Biologia e Artes.
Em terceiro lugar, para que houvesse a mínima possibilidade de êxito deste projeto, as escolas públicas teriam que ser todas de tempo integral. Não são. Ademais, professores, pedagogos, técnicos e demais servidores teriam que ser amplamente treinados e qualificados. Não foram.
Ainda não há previsão orçamentária adequada para a implantação do NEM na maior parte das unidades da federação. Na verdade, em alguns estados este processo nem sequer teve início. Do jeito que está formatado, o NEM precisa, necessariamente, providenciar a contratação de mais professores e outros profissionais da educação. Não há, nisto insisto, orçamento para estas contratações.
Por fim, em relação à questão didático-pedagógica, os itinerários formativos nos comunicam duas coisas apenas, a saber: nada e coisa nenhuma. À guisa de exemplo, vejamos a ementa de uma unidade curricular do NEM intitulada Projeto de Vida:
“Projeto de Vida: ofertada nas três séries do Ensino Médio, esta Unidade Curricular visa promover estudo e reflexão sobre a trajetória pessoal, cidadã e profissional do estudante. A característica preponderante do Projeto de Vida no Ensino Médio é a formação integral dos jovens nos seus aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais, além de prepará-los para a escolha de um dos Itinerários Formativos ofertados pela Rede, conforme suas expectativas profissionais. Nessa concepção o jovem é protagonista de sua formação, sendo ele responsável por fazer escolhas e tomar decisões”.
Caro(a) leitor(a), atente para as palavras-chave contidas nesta ementa: “…o jovem é protagonista de sua formação, sendo ele responsável por fazer escolhas e tomar decisões”. Noutras palavras, se o(a) jovem não obtiver êxito em suas escolhas a culpa será toda dele(a). Esta é descaradamente a essência do neoliberalismo, ou seja, a responsabilização e a culpabilização dos sujeitos, sempre.
A escola não tem infraestrutura, não é de tempo integral, não tem professores suficientes, não tem segurança, às vezes não tem sequer alimentação, mas o(a) jovem é que será o(a) responsável por suas escolhas e decisões. De forma oposta, as escolas da burguesia dispõem de toda a infraestrutura e de todo o aparato tecnológico e humano para a realização de todos os itinerários formativos e unidades curriculares.
Assim, não resta dúvida de que o NEM é elitista, classista e aumentará ainda mais a desigualdade socioeconômica e cultural no Brasil. Trata-se de uma jogada de mestre da burguesia nacional visando o aumento da oferta de mão de obra barata no mercado de trabalho.
Com o NEM, as possibilidades de acesso à educação superior ou técnica, por parte de jovens pobres, periféricos, negros, indígenas e outros jovens serão bastante reduzidas. Assistiremos a uma concorrência desleal com as escolas equipadas. Neste sentido, o que já era ruim ficará pior. Estes(as) jovens serão condenados(as) a ficarem de fora das universidades e escolas técnicas. E serão tantos(as) que cota nenhuma resolverá.
Desta forma, aos(às) filhos(as) da classe trabalhadora, fundamentalmente a de baixa renda, restará apenas o trabalho precarizado, a subcontratação, a uberização, a terceirização, enfim, o status de impregáveis. Portanto, estes(as) jovens terão uma vida sem sentido.