Nobel da Paz para Trump? A banalização de um símbolo mundial
Para o autor deste artigo, cada vez que o Nobel se deixa envolver por indicações como essa, perde um pouco de sua autoridade moral. Leia o que diz Plínio César Coelho

Por Plínio César Coelho*
Publicado em: 26/08/2025 às 14:00 | Atualizado em: 26/08/2025 às 14:00
É preciso dizer sem rodeios: cogitar Donald Trump para o Prêmio Nobel da Paz é uma piada de mau gosto — uma piada cruel, que atinge a dignidade de milhares de vítimas de guerras e massacres em curso.
Como aceitar que um homem que apoia incondicionalmente Benjamin Netanyahu, fornecendo respaldo político e armas a um governo que promove um genocídio em Gaza, seja sequer lembrado para a maior honraria de paz do planeta?
Essa indicação não é apenas absurda. É uma ofensa à memória de Alfred Nobel e a todos os que já lutaram e morreram em nome da paz.
O peso simbólico do Nobel
O Prêmio Nobel da Paz nunca foi apenas uma condecoração. Ele é, ou deveria ser, um marco ético. Um farol que aponta para líderes, instituições e cidadãos que transformaram realidades, reduziram conflitos e criaram caminhos de diálogo onde antes só havia violência.
Mandela, Luther King, Madre Teresa — nomes que transcendem fronteiras e permanecem como símbolos de humanidade.
Ao colocar Donald Trump no mesmo rol de cogitação, o prêmio corre o risco de virar o seu oposto: um carimbo de cinismo geopolítico, usado para lavar reputações manchadas pelo sangue de inocentes.
Um histórico de controvérsias
Não se pode negar que o Nobel da Paz já passou por escolhas controversas.
Em 1973, Henry Kissinger recebeu o prêmio em meio ao caos da Guerra do Vietnã e ao envolvimento em golpes de Estado na América Latina.
Décadas depois, Barack Obama foi laureado antes mesmo de provar qualquer ação concreta em favor da paz — e seu governo seguiu operando a máquina de guerra norte-americana no Oriente Médio.
Esses episódios já abalaram a credibilidade do Nobel. Mas cogitar Trump leva essa contradição a um nível insustentável.
Trump, a antítese da paz
Trump não é um pacificador. Sua trajetória política e retórica o colocam como símbolo de divisão e conflito. Seu discurso nacionalista, suas políticas externas de confronto e sua cumplicidade no fortalecimento da violência em Gaza são incompatíveis com qualquer noção de pacificação.
Os defensores de sua indicação alegam que ele foi protagonista dos chamados “Acordos de Abraão”, entre Israel e alguns países árabes. Mas tais acordos, longe de instaurarem paz, coexistiram com o aprofundamento do sofrimento palestino e com a legitimação da ocupação.
Paz verdadeira não é acordo de elites, é justiça concreta para os povos.
A desmoralização do prêmio
Cada vez que o Nobel se deixa envolver por indicações como essa, perde um pouco de sua autoridade moral.
O prêmio não pode se tornar uma moeda de troca política, um instrumento de propaganda para líderes que jamais deveriam se apropriar do título de pacificadores.
Se o Nobel da Paz se banaliza, o mundo perde um dos poucos símbolos universais de ética e dignidade que ainda restavam no cenário internacional.
Conclusão: quando a farsa ameaça a esperança
A paz não é retórica vazia, tampouco conchavo político. A paz é construção, é sacrifício, é compromisso com a vida. E é exatamente por isso que a simples cogitação de Donald Trump para o Nobel da Paz soa como uma farsa grotesca.
Aceitar esse tipo de indicação é trair a memória de Alfred Nobel e, pior ainda, é trair as vítimas que hoje choram seus mortos em Gaza e em tantas outras partes do mundo.
O Nobel da Paz pode resistir às polêmicas do passado, mas não resistirá à sua completa desmoralização. Se nomes como Trump continuarem a ser cogitados, o prêmio deixará de ser símbolo de esperança e se transformará em um troféu vazio, entregue à conveniência política.
O mundo não precisa de farsas. O mundo precisa de coragem. E coragem, definitivamente, não se encontra naqueles que lucram com a guerra.
*O autor é economista, professor-adjunto da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), mestre em administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutorando em ciências empresariais e sociais na Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales (Uces), Buenos Aires, Argentina.
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