Ninguém pode perder a esperança

"Quem disse que podemos viver sem ela?" Leia no artigo do jornalista Walmir de Albuquerque Barbosa

Ninguém pode perder a esperança

Ednilson Maciel, por Walmir de Albuquerque Barbosa*

Publicado em: 06/06/2025 às 13:17 | Atualizado em: 06/06/2025 às 13:17

“As ações precisam de um horizonte de sentido, precisam ser narráveis. A esperança é eloquente. Ela narra. O medo, por outro lado, é incapaz de falar, incapaz de narrar”. (“O Espírito da Esperança: contra a sociedade do medo”. HAN, Byung-Chul. Petrópolis/RJ: Vozes, 2024, p.14).

Ao concluir a leitura dessa brochura que toma como libelo a esperança, pensei muito no que certa vez ouvi de um marxista radical:

“Acreditar somente na esperança é ser piegas e, em sendo um intelectual, é optar por viver nas franjas etéreas dos fenomenologistas; o que importa é a luta contra a opressão”.

Não levei a sério essa radicalidade e nas minhas vivências não recuso a luta contra a opressão e a desigualdade, mas recuso alimentar-me de “pensamento único”, qualquer que seja ele, e esse modo de ver me ilustra e ajuda a superar ignorâncias.

Talvez, por isso, gostei do “livrinho de 132 páginas” que traz de volta velhos e caros autores da fenomenologia. Esses podem nos ajudar num balanço de vida e do vivido nesses dois territórios: o da luta material e o da luta dos afetos, sem o muro que quase sempre os separa e que, em não existindo, não precisaríamos transpô-lo.

Basta entender esses espaços vitais, mesmo que antagônicos, como o todo de nós mesmos.

Nesse “filosofar amador” surgiu uma questão para eu responder: o que tenho feito com os meus afetos?

Achei demasiado e enfadonho expor essas coisas de nossas vivências e de nossa existência, sobretudo quando nos desumanizam como seres no mundo e nos encerram nas teias do medo, do ódio e do negacionismo desesperançoso, marcas expressivas do momento que vivemos.

Somente pela narração das nossas ações, encharcadas de esperanças, “nascerá o novo” superando o medo, como diz o autor da obra citada acima, nos libertando para falar, narrar e agir!

Vivemos no mundo da linguagem e esse mesmo mundo foi reduzido a um discurso de vozes tonitruantes que querem ser “tudo”, sem dar conta do todo.

Wittgenstein nos adverte:

“Os limites da minha linguagem significam os limites de meu mundo” (Tractatus, afirmação 5.6).

A “sociedade do espetáculo” nos fez espectadores pouco ativos e seguidores de tendências que se apoiam em narrativas muitas vezes falaciosas.

Para que não distingamos o falso do verdadeiro, o conceito de narrativa foi desvirtuado e, para nos confundir, nominou todas as narrativas como discursos “não verdadeiros”, com o intuito de impor a sua narrativa como a única e verdadeira.

Perdidos no meio da praça do globalismo, repetimos seus mantras ou nos calamos.

Tomados pelo medo, não conseguimos narrar, expressar nossas convicções políticas ou afetivas: o sistema do medo nos oprime.

Não é à toa que perdemos a noção do que vem a ser a “liberdade de pensamento e de expressão”, para dar um exemplo da hora, e nos envolvemos em conjecturas e discussões infindas porque pensamos que podemos tudo, até mesmo pensar e dizer o outro como diferente, indigno até da mesma humanidade na qual me reconheço.

Assim, tornando-me recipiente de um discurso radical e odioso, fundado nas teorias conspiratórias, paro no tempo da única verdade que só me leva ao passado e jamais ao novo.

Como nada disso é real, pois o mundo é o mundo, com todos os seus problemas e virtudes, queiramos ou não, fomos limitados em nossa linguagem, tornamo-nos presa fácil do medo, de todos os medos possíveis disseminados pela mídia convencional e monopolista que pauta e seleciona o que devemos conhecer do mundo e da internet, inicialmente vista como o mundo da liberdade de expressão e, agora, um purgatório com seus submundos de perversão.

Reverter a situação de medo a que chegamos e deixar que a esperança cresça em todos os espaços para fazer nascer o novo onde reinará a igualdade, a solidariedade e os afetos positivos também tem nome: utopia!

Quem disse que podemos viver sem ela? Quem disse que podemos enfrentar a “vida ativa” sem sonhos e sem esperança esqueceu apenas de um detalhe: pode ter esquecido de um pedaço importante que diz respeito aos nossos afetos, aquilo que liga a fadiga da labuta dos dias com o prazer de viver, como resultado.

Todos os dias, à nossa frente desfilam discursos de ódio dando conta da destruição do nosso mundo e da nossa humanidade.

Necessário se faz mudar o rumo dessa prosa. Ela precisa falar de outras coisas, do nós, da esperança!

*O autor é jornalista profissional.

Foto: Agência Brasil