Neofascismo, Estado e as enchentes no Sul

São discursos totalmente desprovidos de sentido, que não encontram sustentação na realidade

Mariane Veiga, por Márcio Rogério Silva

Publicado em: 21/05/2024 às 19:55 | Atualizado em: 21/05/2024 às 20:02

A tragédia no Rio Grande do Sul revelou a força do neofascismo no Brasil. Sem o menor pudor, o movimento se utiliza da tragédia e do caos para criar e espalhar fake news visando fomentar as narrativas mais absurdas e distópicas possíveis.

Nesse âmbito, uma enorme quantidade de vídeos falsos está sendo compartilhada nas redes sociais com discursos dos mais variados, abordando questões como: a ineficiência do Estado e do setor público, de maneira geral, a eficiência e a celeridade da iniciativa privada em calamidades como as inundações que ocorreram naquele estado e, até mesmo, em defesa da propagação de fake news como liberdade de expressão. 

São discursos totalmente desprovidos de sentido, que não encontram sustentação na realidade.

Ademais, não é verdade que o Estado brasileiro esteja inoperante ou operando de maneira deficitária no enfrentamento da tragédia do Rio Grande do Sul. 

Pelo contrário, o Estado brasileiro está, sim, presente. 

O governo Lula já mobilizou dezenas de helicópteros e diversos outros recursos para as Forças Armadas, para a Defesa Civil de vários estados, para a Polícia Federal, bem como para obras emergenciais de combate às consequências das enchentes naquele estado.

Outrossim, foram montados comboios gigantescos para trazer as doações de outras regiões ao Rio Grande do Sul. Aliás, uma ação de logística bilionária. 

O governo federal já pagou R$ 619 milhões em emendas a municípios do Rio Grande do Sul, bem como anunciou um pacto de R$ 50 bilhões para a reconstrução de todas as cidades afetadas pelas enchentes.

Anunciou também, emergencialmente, a liberação de um voucher de R$ 5.100, via pix, para as pessoas desabrigadas e apoiou a criação de espaços para recepção de pessoas e animais.

O governo federal criou, ainda, um gabinete de crise e deslocou efetivos das Forças Armadas, da Força Nacional e da Polícia Rodoviária Federal, sem contar a ajuda mobilizada por bombeiros e policiais militares do próprio Rio Grande do Sul e de outras unidades da federação.

Todavia, a mídia corporativa foca na mobilização voluntária que, embora valorosa e útil, tradicionalmente, é insuficiente e perde fôlego com o passar do tempo, haja vista que as pessoas têm suas próprias vidas para tocar e sua capacidade de ajuda é limitada. 

Geralmente, as doações privadas duram enquanto dura a comoção. Depois que tal ajuda cessar, os efeitos vão permanecer por anos e será o Estado o responsável direto pela reconstrução do Rio Grande do Sul.

Digno de nota é o fato de que a cobertura jornalística também foca na espetacularização da tragédia, dando, por exemplo, protagonismo em horário nobre para um surfista no programa “Domingão de Luciano Huck”. 

Este ficou uns poucos dias na região com seu jet-ski, relatando, bastante empolgado, sua própria experiência, com incessante exposição, em detrimento da colaboração dos valorosos funcionários públicos que permanecem e permanecerão por lá durante muito tempo, trabalhando literalmente na lama.

Nesse mesmo programa, enquanto o surfista assumia o protagonismo, representantes da Força Aérea estavam junto ao público e foram entrevistados por cerca de um minuto apenas. E, além disso, representando todas as forças armadas sem convite. 

Essa cena mostrou, claramente, o que a mídia destaca e o que ela eclipsa, construindo no ideário coletivo a ideia de que as iniciativas individuais e privadas é que merecem protagonismo, favorecendo assim uma cultura neoliberal.

Portanto, esse discurso contra as ações do Estado é assimétrico. 

Os verdadeiros democratas e republicanos precisam reagir. Estamos em um momento histórico em que pessoas boas e comuns se tornaram um perigo para elas mesmas e para todos nós, porque esse perigo fascista irá apertar botões em uma urna eletrônica nas próximas eleições.

O discurso neofacista pseudoliberal, paradoxalmente, elege o Estado e o governo progressista como inimigos, para que possam ser eleitos através do discurso antiestado e assim destruir o Estado por dentro e dele se favorecerem.

Todos sabem, ou deveriam saber, que há situações nas quais apenas o Estado pode entregar soluções. 

Certamente, o debate acerca da maior eficiência do Estado é necessário. Com efeito, essa discussão tem que se dar em outra esfera.

Concluo, afirmando que a tragédia do Rio Grande do Sul revelou o grau de perversidade dos que criam e espalham fake news. 

As notícias falsas colaboram para uma visão falsa acerca da importância do Estado no enfrentamento das tragédias ambientais. 

As pessoas, nisto eu insisto, precisam muito do Estado, e não o contrário, como querem fazer crer.

*O autor é engenheiro e ativista em direitos sociais.

Foto: Gilvan Rocha/Agência Brasil