Não existe crítica construtiva!

Em que consiste a realização de uma crítica? Leia o que diz o sociólogo Aldenor Ferreira, em seu artigo semanal

Não existe crítica construtiva!

Neuton Correa, por Aldenor Ferreira*

Publicado em: 10/08/2024 às 01:24 | Atualizado em: 10/08/2024 às 06:23

A palavra crítica é utilizada pelo senso comum, muitas vezes até mesmo pelo senso comum erudito, aquele que transita na academia, como sinônimo de negatividade ou positividade. Trata-se de um erro conceitual, uma separação equivocada entre uma postura supostamente construtiva e outra destrutiva diante de um fato. 

No entanto, não é nem uma coisa nem outra. Existe apenas a crítica. Com efeito, em que consiste a realização de uma crítica? Consiste na elaboração de argumentos abalizados para a desconstrução teórica e metodológica de um postulado ou de uma teoria ou, ainda, visando o seu aperfeiçoamento e atualização. Um exemplo elucidativo desta premissa pode ser encontrado na crítica ao marxismo. 

Conforme Perissinotto (2010), “o projeto do marxismo analítico consiste, essencialmente, na rejeição dos pressupostos do marxismo tradicional, quanto às pretensões dos marxistas à especificidade metodológica e, também, quanto aos seus procedimentos supostamente científicos”. Contudo, as críticas não são no sentido de superação da teoria marxista, pois elas têm por objetivo fazer avançar o marxismo como ciência social, atualizá-lo e contextualizá-lo. 

Karl Marx e a crítica

A crítica no pensamento marxiano é uma ferramenta importante para a realização da transformação social. A crítica, para Marx, não é apenas uma análise teórica ou mesmo uma denúncia dos problemas sociais, mas, sim, um meio de entender as contradições e as injustiças promovidas pelo capital. Ou seja, é a compreensão das contradições do capitalismo que promoverá a ação na direção da emancipação dos homens e das mulheres. 

Neste âmbito, pode-se dizer que a obra de Marx se fundamenta na premissa da crítica, por exemplo, no texto Manuscritos Econômicos e Filosóficos (1844) e no texto O Capital (1867) Marx elabora uma sofisticada crítica da economia política. 

Ele primeiro se apropria das teses de Adam Smith e David Ricardo para, em seguida, realizar a crítica argumentando que a abordagem destes autores clássicos escondia as relações de exploração e a dinâmica de poder no capitalismo.

Com efeito, é a partir da percepção das contradições dos autores da economia política clássica que Marx elabora a teoria do valor-trabalho, bem como a teoria da mais-valia. Estas categorias analíticas serão ferramentas importantes para explicar e denunciar que é a exploração do trabalho dos operários que gera o lucro dos capitalistas.

Da mesma forma, a partir da análise crítica do processo de trabalho no capitalismo, Marx desenvolve o conceito de alienação. Segundo ele, o trabalho no capitalismo aliena os trabalhadores e os separa dos produtos que são, no limite, obras de suas mãos. Este processo de separação é uma ação que desumaniza os trabalhadores e os impede de alcançar seu pleno potencial.

Por fim, o que o espaço me permite analisar, a “crítica revolucionária”. Em sua análise das contradições do sistema capitalista, Marx aponta que estas contradições são as brechas dadas pelo próprio sistema para a ação revolucionária, onde a classe trabalhadora se levanta para derrubar o sistema e estabelece uma sociedade sem classes.

Conclusão

Para Marx, a crítica deve sempre estar ligada à práxis, ou seja, à prática. Desse modo, deve estar ligada a uma ação concreta que vise transformar a realidade. A crítica é entendida como uma ferramenta, um meio de construção da liberdade dos(as) trabalhadores(as) e, consequentemente, a construção de uma sociedade sem classes.

Portanto, caro(a) leitor(a), reafirmo o que sinalizei no início deste texto: não existe crítica destrutiva nem construtiva. Existe apenas a crítica. Ao se tratar de qualquer tema, a crítica deve vir alicerçada conceitualmente, visando a sua superação ou o seu aperfeiçoamento. Do contrário, será apenas uma mera fofoca.

* O autor é sociólogo

Arte: Gilmal