Nada novo debaixo do Sol
"É preciso recorrermos à História e dela tirarmos ensinamentos e fortalecimentos para lutarmos contra as atrocidades do tempo presente"

Neuton Correa, por Aldenor Ferreira*
Publicado em: 24/04/2021 às 05:26 | Atualizado em: 24/04/2021 às 05:26
Vivemos um momento muito difícil, um tempo histórico marcado pela “banalização do mal”, como bem sintetizou Hannah Arendt no texto Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal.
Contudo, não há nada novo debaixo do sol.
O sábio Salomão, no livro de Eclesiastes, escrito há mais de dois mil anos, declarou: “o que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; nada há, pois, novo debaixo do sol. Haverá algo de que se possa dizer: veja, isto é novo? Não! Já existiu nos séculos que foram antes de nós”.
Maldade, corrupção, negacionismo, obscurantismo, reacionarismo, dentre outras ações e reações humanas estúpidas permanecem no tempo e no espaço. Todavia, não podemos ficar surpresos com nada e nem perdermos a esperança de que seja possível a superação da irracionalidade.
É preciso recorrermos à História e dela tirarmos ensinamentos e fortalecimentos para lutarmos contra as atrocidades do tempo presente. O conhecimento do passado nos permitirá a construção de estratégias para o combate eficaz da pandemia de estupidez que assola o Brasil e o mundo.
Quando se analisa a História, percebe-se que, por exemplo, na passagem do Feudalismo para o Capitalismo, havia pessoas e setores que desejavam o retorno do Antigo Regime. Os conservadores, chamados de “profetas do passado”, diante dos impactos causados pela Revolução Francesa, julgavam ser aquilo “um castigo de Deus à humanidade”.
Mesmo diante da consolidação do capitalismo, que fez nascer uma nova sociedade, havia pensadores e lideranças conservadoras que defendiam de forma apaixonada o retorno da hegemonia de instituições dominantes do Antigo Regime, como a igreja, a monarquia e a aristocracia.
Retrocedendo ainda mais no tempo, quando da saída do povo Hebreu do Egito, diante das dificuldades enfrentadas no deserto, muita gente questionou Moisés acerca de sua estratégia. Naquele momento, vários deles desejaram avidamente retornar ao Egito e à condição de escravidão.
Avançando no tempo histórico, baseado nas informações do livro A Bailarina da Morte: a gripe espanhola no Brasil, escrito pelas historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, pode-se dizer que a insanidade do passado, relacionada ao comportamento dos brasileiros diante daquela pandemia é exatamente a mesma de hoje diante da pandemia do novo coronavírus.
De acordo com as autoras, no ano de 1918, a pandemia de gripe espanhola assolava o Brasil. Naquele momento, “o país reagiu à pandemia com negacionismo” e, como assinalam, havia “falta de empatia para com as vidas dos outros, inclusive e, sobretudo, porque foram as classes baixas as mais afetadas”.
Muitos de nossos compatriotas de outrora reagiram, então, de forma negacionista, fazendo piada e relativizando a gravidade da doença.
Outros afirmavam ser uma conspiração da Alemanha para vencer a Primeira Guerra Mundial.
No âmbito governamental, ocorria a mesma estratégia que vemos agora: negação no primeiro momento, ações tardias e trocas no comando da gestão da crise sanitária.
Já no que se refere às políticas direcionadas ao enfrentamento da crise, havia medidas restritivas de circulação, recomendação do uso de máscara e o pedido para que as pessoas ficassem em casa, medidas essas que, como agora, foram questionadas por parte da população e, também, pela imprensa da época.
Nesse sentido, Marx tinha razão: “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. Essa máxima, dita por ele 1852 no texto Dezoito Brumário de Louis Bonaparte, pode ser corroborada por exemplos quase infinitos na terra brasileira.
De fato, não há nada novo debaixo do sol e poderíamos seguir com outros casos que corroborariam a tese do sábio Salomão.
Nesse sentido, uma metanoia, ou seja, uma transformação de caráter essencial só ocorreria de fato se tomássemos a frase do poeta Antônio Carlos Belchior como nosso novo mote: “no presente a mente, o corpo é diferente, e o passado é uma roupa que não nos serve mais”.
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*Sociólogo
Arte: Alex Fideles