O tempo para fazer política e o tempo para escrever
Em lançamento de dois livros de sua autoria, Beth Azize, aos 85 anos, ex-deputada estadual e federal, faz reflexões sobre o tempo que dedicou à literatura

Wilson Nogueira, do BNC Amazonas
Publicado em: 19/02/2025 às 08:20 | Atualizado em: 19/02/2025 às 09:01
A escritora Elizabeth Azize reconheceu, na cerimônia de lançamento de “O silêncio dos sinos” e “Minha voz na política brasileira” (Valer), que poderia ter dividido melhor o tempo entre as atividades da políticas e da literatura.
As duas obras foram lançadas no Salão Verde da Editora Valer (largo de São Sebastião). Foi na quinta-feira, 13, com a presença de intelectuais, professores, estudantes e leitores.
Ainda na década de 1980, ela lançou “E Deus chorou sobre o rio”, no momento que vivia a política intensamente. Mesmo sem a divulgação merecida, a obra logo se esgotou e só veio a ser reeditada pela Valer, em 1999, a segunda edição, e a terceira, em 2019.
O romance narra as aventuras de Marmoud, migrante sírio-libanês, no comércio de Manaus e nos portos ribeirinhos do interior da Amazônia, onde atuou como regatão levado pelo barco Jatahy.
Em primeira pessoa, a autora esmiúça a vida da cidade que girava em torno do antigo porto regional, a Escadaria dos Remédios. No centro, a história dos “patrícios” em terras amazônicas.
Revisita aos escritos
Fora da política partidária, Elizabeth Azize passou a dedicar parte do seu tempo a revisitar os arquivos. São crônicas, artigos, fotografias e discursos que compõem a sua história de vida entre a política e a literatura.
“O silêncio dos sinos e Minha voz na política brasileira” são os primeiros resultados dessa imersão nos seus escritos que registraram momentos importantes do mundo, do país e do cotidiano de Manaus.
Pelas mãos de Elizabeth Azize correm a vida e a história do Amazonas que se esvairiam, caso não fosse ela uma amante da escrita. A mais sublime das amantes, aquela que guarda no coração e no baú os momentos reflexivos que precisam ir além de si.

“Existem outras caixas de textos e fotografias que precisam ser avaliadas”,
disse a autora.
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O valor desse material se mede pelas atividades públicas da escritora, que, também, atuou como juíza, procuradora municipal, vereadora, deputada estadual, governadora interina, deputada federal e parlamentar constituinte.
Na Constituinte, Elizabeth Azize se posicionou a respeito dos temas mais complexos para a época, como a defesa dos direitos das mulheres, com destaque para a igualdade na sociedade conjugal, na política urbana e nos direitos trabalhistas.
Irreverente
As crônicas de “O silêncio dos sinos” revelam momentos marcantes de alguém que vive e convive com as mudanças de si, da cidade (a freguesia) e da sociedade que se expandem imponderavelmente.
“Minha voz na política brasileira” trata mais da memória política do Amazonas e do Brasil.
Em ambos, a crítica e a denúncia contra as injustiças dos que detém o poder de pará-las emerge da elegância e da arrumação poética das palavras. São, por isso, textos que convidam o leitor à reflexão pela aproximação dos temas e leveza da escrita.
Silêncio
Em Silêncio dos sinos, a autora oferece espaço para pensar sobre aspectos da vida individual ou coletiva imposta pelo silêncio.
[…] A cidade está em outros ruídos desconfortantes, tão materiais e danosos. Ninguém mais se benze na rua, nem tem ouvidos para escutar o sim do carrilhão que transmite música de acalanto. E lá, na secular Bélgica, nas cidades de Numar e Brugges, às seis da tarde, escuta-se todo dia uma sinfonia de fim de tarde, formando uma orquestra da qual o maestro está ausente, porque está em todo lugar. E aqui, o silêncio dos sinos nós faz sentir que até a hora da ave-maria vai passando, vai passando”.
Divórcio
Um tema tabu do final da década de 1970 foi o debate pela lei do divórcio. A discussão atacava, sobretudo, o falso moralismo de que o casamento, sob os olhos de Deus e dos conservadores, era irrevogável.
Elizabeth Azize participou desse debate que, para a época, não caia bem para uma mulher de família.
[…] casamento não pode, por nenhum processo, saltar aos olhos dos religiosos como uma instituição divina. Ele é, sobretudo, um contrato civil, no qual ente o consenso das vontades dos nubentes. O divórcio deve vir o mais cedo possível, não para aqueles que são bem-casados, mas para aqueles que vivem em situação irregular. É esse o meu ponto de vista”.
A lei do divórcio foi aprovada em 26 de dezembro de 1977. Simbolicamente, ela representou mais um ato de desatrelamento do estado em relação aos dogmas da Igreja.
Fotos: Wilson Nogueira