Iranduba, a cidade que começa com desabrigados da cheia de 1976
Dantas Cirino, 96 anos, conta como nasceu o município da região metropolitana de Manaus.

Wilson Nogueira , da Redação do BNC Amazonas
Publicado em: 11/12/2024 às 16:59 | Atualizado em: 11/12/2024 às 22:12
Os primeiros moradores da atual cidade de Iranduba, a 25 quilômetros de Manaus (AM), foram ribeirinhos do rio Solimões desalojados pela cheia atípica de 1976.
Quatro anos depois, o então distrito vinculado a Manaus se transformou em município e nesta terça-feira, dia 11 de dezembro, com uma vasta programação artística e cultural festejou a data.
Acossados pela cheia, ao menos 60 famílias se abrigaram no entorno do platô de Iranduba para retornar à costa e às ilhas na seca, mas muitas foram convencidas pelo prefeito da época (1975-1979), coronel do Exército Jorge Teixeira (1921-1987), a permanecer em terra firme.
O vaivém dessas famílias era sazonal, porém, em 1976 as águas subiram mais rápidas e em maior volume.
“O artifício de subir os assoalhos [marombas] se tornou inviável porque a água foi até a cumieira das casas”, conta o sargento da reserva do Exército João Dantas Cyrino, 96 anos de idade, primeiro administrador do projeto residencial.

Cyrino lembra que as famílias foram obrigadas a atracar no platô as suas canoas cheias de porcos, galinhas e cabritos, com os quais se misturavam até a chegada da vazante, para não perder as “sementes”.
A antiga sede do distrito, uma casa de madeira sob palafitas que também servia de escola, era o único local em que os desabrigados passavam os piores momentos da cheia. Mas, nesse ano, até ela ficou debaixo d`água.
“Eles levavam uma vida dura. E isso demorava de cinco a seis meses”, disse Cyrino.
“Naquela cheia, Teixeira emprestou um helicóptero do Exército e levou os vereadores de Manaus para conferir as dificuldades dos ribeirinhos da costa do Iranduba”.
Contudo, os vereadores não abraçaram a ideia do prefeito de transferir as famílias da várzea para a terra-firme.
Conforme Cyrino, o boicote tinha motivação política: eles entenderam que essa solução quebrava o vínculo eleitoral deles com os ribeirinhos.
Os vereadores convenceram muitas famílias a não migrarem para o platô. Dissuadiram, inclusive, as professoras. Somente uma delas, Isabel, mudou-se para o platô e incentivou as demais.
No platô foram construídas 200 casas de madeira, cobertas de alumínio, para receber famílias da várzea de Iranduba e outras desabrigadas de terras caídas do bairro de São Raimundo, em Manaus. O processo de estruturação do projeto durou três anos.
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Chisa
Colada ao centro residencial, a prefeitura criou a Cidade Hortifrutigranjeira de Iranduba (Chisa), por meio da doação de lotes arados e com apoio gerencial e técnico agrícola na área do hoje bairro Laranjal.
“A produção dos parceleiros gerava alimentos para a comunidade e o excedente era vendido em Manaus”.
Cyrino explicou que quem preferia cultivar a várzea poderia ir e voltar no mesmo dia e ainda deixar a sua família em terra seca, perto da escola e do posto de saúde.
“Muitos familiares desses agricultores também eram parceleiros e não voltaram para a várzea”, comentou o ex-administrador.
Contrapondo-se à Câmara Municipal de Manaus, a prefeitura abriu ruas e a estrada entre o platô e a comunidade de Cacau-Pirêra, no rio Negro, onde os agricultores faziam a travessia de barcos para vender seus produtos na capital.
O ex-administrador disse que acordava às 3h para fazer a travessia de balsa, logo na primeira viagem, entre as 4h e 5h, e chegar cedo ao distrito.
A viagem era realizada em um jipe pela estrada de barro Manoel Urbano (AM-70) até à altura do quilômetro 10, onde enfiava o carro em uma picada para chegar ao trabalho.
“Durante três anos de trabalho, nunca faltei um dia sequer”, disse, orgulhoso, Cyrino.
O engenheiro agrícola que fez o projeto e o implantou, conforme Cyrino, veio de Goiás e o deixou todo estruturado, inclusive com uma cooperativa de produtores agrícolas funcionando plenamente.
Logo no primeiro ano, foram plantados oito mil pés de laranja e mais 5 mil pés de bananas.
A cooperativa realizava a comercialização da produção da Chisa com o mercado de Manaus.
Quando o engenheiro goiano deixou o projeto, já concluído, sugeriu ao prefeito que nomeasse para substituí-lo um profissional da sua confiança, a fim de manter a Chisa produtiva.
Mesmo assim, o advertiu:
“Esse projeto vai acabar assim que o senhor sair da prefeitura. Não deu outra: vocês viram alguma coisa da Chisa por lá?”, questionou ele ao repórter.
Cyrino credita a Teixeira a largada de Iranduba para se tornar município em apenas quatro anos, graças aos equipamentos e serviços públicos implantados para os desabrigados pela cheia de 1976.
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Vai-Quem-Quer
A família de Pedrina Maquiné, 69 anos de idade, uma das primeiras a se mudar da várzea para o platô de Iranduba, instalou-se no começo do hoje bairro de São Francisco, antes conhecido por Vai-Quem-Quer.
O nome do lugar refletia a incerteza de adaptação dos ribeirinhos no centro residencial de terra firme.
Dona Pedrina, uma das três primeiras funcionárias da Chisa, lembra que o projeto começou com 16 famílias.
Duas das suas irmãs, Maria dos Remédios e Jaline, também se tornaram professoras das crianças dos parceleiros do projeto.
Seus pais – Sebastião Maquiné e Erondina Ferreira de Souza – e seu irmão, Francisco Maquiné de Souza, cultivaram terras da Chisa.
A proposta da Chisa de produzir hortaliças, frutos, aves poedeiras e cortes não chegou se consolidar, mas Pedrina reconhece que foi muito bom nos três primeiros anos, com muita produção.
Para ela, o projeto começou a ficar abandonado depois da saída do prefeito Jorge Teixeira.
A Chisa, lembra ela, embora com poucas propriedades em plena produção, vendia bastante hortaliças e frutos para Manaus, mesmo sem estrada ramais e estradas asfaltadas.
Dona Pedrita lembra que o administrador do projeto, João Dantas Cyrino, atravessava caminhos e igarapés para chegar ao trabalho, todos os dias.
“Ele andava num jipe e não sei como ele conseguia chegar pra cá”, comenta Pedrina.
No derredor do local de embarque e desembarque das balsas surgiu o bairro de Cacau-Pirêra. No outro lado do rio, o porto ficava no bairro de São Raimundo. A viagem entre um porto e outro durava 45 minutos, mas os motoristas de carros de passeio enfrentavam filas enormes tanto na ida quanto na volta.
Com a construção da ponte sobre o rio Negro e duplicação da pista da estrada AM-70, o município passou a respirar novos ares econômicos.
Vieram o turismo e o setor imobiliário, carros chefes da economia do município hoje, na frente da tradicional indústria oleira e da agricultura familiar – essa última legado da Chisa.
Dona Pedrina saúda os novos tempos, mas reclama da violência, que atribui à ponte sobre o rio Negro.
“Aqui a gente dormia de janela aberta até há pouco tempo. Agora, aqui perto de casa, existe uma zona vermelha que nos causa sensação de muita insegurança”, disse.
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Infraestrutura
O palco de shows e outros equipamentos de apoio às demais atrações começaram a ser montados no começo da semana para celebrar a criação de Iranduba.
O mesmo ocorreu com a limpeza e pintura do meio-fio das ruas principais, poda de árvores e instalação de banheiros químicos.
A praça, segundo o staff da organização, foi preparada para receber até 10 mil pessoas por dia, com conforto e segurança.
Programação
Os cantores Israel Salazar, George Japa, Marília Tavares e David Assayag foram as principais atrações da comemoração dos 43 anos de fundação do município de Iranduba, cuja sede homônima está a 25 quilômetros de Manaus (AM).
Iranduba está interligada à capital através da ponte Jornalista Phelippe Daou, sobre o rio Negro, desde 2011.
A celebração à cidade começou no sábado com a 13ª Marcha para Jesus, saindo do bairro Morada do Sol, às 17h, e finalizando na praça dos Três Poderes, com a apresentação de Israel Salazar, que é cantor gospel, ex-vocalista da banda Diante do Trono.
No domingo à tarde, dois eventos agitaram a cidade: um encontro de “paredões de som” e um passeio motociclístico saindo de Cacau-Pirera em direção à sede do município, reunindo centenas de associados de motoclubes de Manaus e região.
O show principal de domingo à noite foi de George Japa, o da segunda de David Assayag e o de terça-feira de Marília Tavares.
Dessa forma , até a terça-feira grupos musicais locais e convidados de outras cidades fizeram a celebração da data.
Fotos: Wilson Nogueira/especial para o BNC Amazonas