Governo de RO frauda leitos ocupados para não impor isolamento

A denúncia foi feita pelo MP (Ministério Público) estadual, que abre inquérito civil público para aprofundar as investigações

Publicado em: 26/01/2021 às 12:09 | Atualizado em: 26/01/2021 às 12:11

O governo de Rondônia incluiu leitos clínicos e de UTI (unidade de terapia intensiva) inativos em relatórios diários de ocupação de hospitais com pacientes com covid-19 durante os meses de dezembro e janeiro.

O objetivo teria sido o de evitar que, por falta de leitos, o estado fosse obrigado a decretar medidas de isolamento social mais rígidas.

Hoje, Porto Velho enfrenta um colapso na saúde pública pelo excesso de casos e precisa transferir pacientes por falta de vagas em unidades.

A denúncia foi feita pelo MP (Ministério Público) estadual, que inicia hoje um inquérito civil público para aprofundar as investigações e apontar os responsáveis pela inclusão dos números nos documentos.

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Os dados incluídos nos relatórios se referem a 30 leitos de UTI e 23 clínicos do Hospital de Campanha da Zona Leste, que foi desativado em 14 de outubro, ao fim da primeira fase da pandemia.

No local, hoje, até existem camas e equipamentos, mas não há médicos para abrir os leitos aos pacientes.

Para poder camuflar os dados do relatório eles continuavam lançando esses leitos, mesmo estando inativos. E não só estavam inativos, como não havia nem sequer a possibilidade de ativá-los a qualquer momento por absoluta falta de profissionais médicos.” Geraldo Henrique Guimarães, promotor e coordenador estadual da força tarefa da covid19 do MP-RO.

Em vídeo divulgado na segunda-feira (25) pela assessoria de imprensa, o secretário de Estado da Saúde, Fernando Máximo, confirma – sem citar local- que possui leitos que não podem ser operados por falta de profissionais.

“Seguimos aguardando médicos, porque temos leitos de UTI prontos com todos os equipamentos e demais profissionais aguardando somente os médicos”, afirma.

Colapso

Sem medidas de isolamento mais rígidas entre dezembro e janeiro, o estado viu o número de casos crescer e enfrenta um colapso na rede pública de saúde. Há ainda fila de espera de pacientes, que aguardam uma vaga em um hospital para iniciar o tratamento.

“As adulterações já evidenciadas fizeram com que perdêssemos tempo precioso para nos prepararmos para o pior”, afirma Guimarães.

O promotor explica que, logo que assumiu as promotorias de saúde no dia 20 de dezembro, detectou que os relatórios diários apontavam mais leitos do que a rede possuía. A partir daí, o MP iniciou um monitoramento dessas divulgações.

Guimarães conta que, no dia 1º, teve uma “segunda evidência” de que a fraude no número de leitos estava ocorrendo.

“O promotor de plantão detectou duas ou três pessoas na fila de espera na madrugada, sendo que no relatório diário apontava a existência de 15 leitos vagos. Foi quando eu conversei com o secretário (de Saúde, Fernando Máximo) e falei: ‘Olha, tem alguma discrepância aí. Os leitos que os senhores indicam no relatório diário não estão coincidentes com a realidade.’ Eu inclusive o alertei da consequência do crime de falsidade ideológica. Eles estavam adulterando um relatório que poderia levar, de uma hora para outra, o nosso estado a uma situação caótica, a exemplo de Manaus”, diz.

Fraude seria para evitar medidas

Para o promotor, a fraude teve como objetivo principal evitar que a cidade de Porto Velho regredisse de fase nas medidas de isolamento.

Segundo o plano estadual de medidas, quanto maior a ocupação de UTIs, mais ações de isolamento são previstas.

“Procurei o secretário de novo e fiz outro alerta: vocês estão adulterando o relatório para não ter que regredir Porto Velho, ou seja, para não contrariar os interesses dos comerciantes, dos empresários. Foi quando eu dei um ‘xeque-mate’ neles. Eu falei: os senhores vão responder por falsidade ideológica se continuarem adulterando o relatório”, assegura.

Com os dados de leitos ampliados artificialmente, no dia seis de janeiro o governo do estado fez uma reunião com seu comitê para reclassificar Porto Velho —que ali já apresentava alta de casos de covid-19.

“Eles, aproveitando-se dos resultados fraudados, regrediram Porto Velho apenas para a fase dois, que permite ficar quase tudo aberto. Naquele dia, com os dados fraudados, estava 67% de ocupação dos leitos, contando os 30 leitos. Se tirássemos os leitos fraudados, iria para ocupação de UTI de 87,5%, o que teria levado automaticamente para a fase um —e era isso que eles não queriam”.

No dia seguinte à reunião, diz o MP, o estado corrigiu os dados nos relatórios. “Eles fizeram isso depois da decisão da mudança de fase. Foi quando eu percebi e falei: ‘Nossa, isso é gravíssimo'”, conta.

Diante da explosão de novos casos, um decreto com isolamento social restritivo foi publicado apenas no último dia 16, quando o governo regrediu Porto Velho para a fase 1. “Antes disso, nós nos reunimos novamente, e eles regrediram para a fase um após a cobrança do MP. Só que daí já era tarde demais”, revela.

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Foto: rondoniaovivo.com

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