Elias Pacheco, sapateiro por vocação

A história de Elias faz você conhecer um pouco o comportamento humano, a história de profissões que resistem ao tempo e do centro da cidade de Manaus

Elias Pacheco, sapateiro por vocação

Wilson Nogueira, da Redação do BNC Amazonas

Publicado em: 26/12/2024 às 13:27 | Atualizado em: 26/12/2024 às 13:27

Elias de Almeida Pacheco, 58 anos, cursou contabilidade no colégio Sólon de Lucena, em Manaus, mas nunca exerceu a profissão. Preferiu ser sapateiro, uma profissão cada vez mais rara no mundo dos descartáveis e das compras de produtos “baratos” pela Internet.

“Sou sapateiro por vocação. Nunca quis fazer outra coisa. Adoro consertar sapatos e bolsas, porque meu trabalho também ajuda as pessoas, principalmente aquelas que mais precisam”

Ele tem box improvisado no cruzamento das avenidas 7 de Setembro e Getúlio Vargas, no centro da capital, em frente ao prédio onde funcionou o legendário cine Polytheama, hoje ocupado por gôndolas das Lojas Americanas.

Pacheco disse que, com a profissão, criou e colocou na escola cinco filhos. Ele confirma que são poucos os sapateiros em atividade, mas ele assegura que tem uma clientela fidelizada.

“O que faz o cliente voltar sempre é o trabalho bem-feito, e isso eu faço. Nem todos descartam seus sapatos. Há pessoa, segundo ele, que cria gosto por um determinado calçado e procura recuperá-lo toda vez que aparece um defeito”.

Outras corrigem os defeitos de sapatos caríssimos e às vezes até raros. No geral, são sapatos de couro puro. “Os consertos, em casos assim, também são caros, porque o couro legítimo é importado”.

Ele acentua que “faz todo tipo de conserto” para atender ao cliente, mas é honesto em informá-lo quando o melhor caminho para o calçado é a lixeira. “Antes fazíamos muita meia-sola, mas hoje não se faz mais isso. O solado pode ser trocado por inteiro. Tem refil à venda no comércio”.

Leia mais

A última jornaleira de Manaus

Terapia

O sapateiro afirma que não são poucas as pessoas que param em seu box apenas para jogar conversa fora.

Parte das pessoas que mora ou passa por ele para pegar ônibus o cumprimenta pelo nome e ele sempre responde com palavras amáveis e com largo sorriso.

“Conheço muita gente, clientes e gente que me vê trabalhando. E trabalho com satisfação, porque sou sapateiro por vocação”, reforça a sua escolha.

Ele revela que as amizades surgem de conversas descompromissadas, com clientes ou não clientes, “uma vez que fazer amigos é sempre saudável, faz bem pra vida!”.

Mudanças

Enquanto isso, Pacheco testemunha as mudanças que ocorrem em seu entorno: lojas abrem, lojas fecham; somem e surgem novas pessoas em situação de rua; gente em busca de empregos; novas bancas de frutas nas esquinas, novos prédios e, sobretudo, paradas de ônibus cada vez mais lotadas.

Na sua frente, as duas sereias tocando harpas incrustadas no frontão do Polytheama, onde se passou a história do cinema por 61 anos (1912-1973), resistem às tentativas de jogá-las ao chão e transformar em pó parte da memória da cidade.

Mal-educados

Para finalizar, o sapateiro pediu espaço para uma queixa:

“É triste ver o meu box, feito de latão, deteriorado por mijo de pessoas mal-educadas. Agora estou trabalhando para recuperá-lo”.

Fotos: Wilson Nogueira/especial para o BNC Amazonas