Nos devaneios de Bolsonaro, Amazônia vira pasto e indígenas, vaqueiros

Para combater a crise da carne no país, Bolsonaro sugeriu que terras indígenas na Amazônia poderiam virar pasto para o gado, e os indígenas virariam pecuaristas. O presidente dá, assim, mais uma mostra da sua ignorância sobre a região...

Amazônia

Aguinaldo Rodrigues

Publicado em: 21/12/2019 às 06:00 | Atualizado em: 20/12/2019 às 17:05

Neuton Corrêa, da Redação

 

A solução apontada nesta quinta-feira, dia 19, pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), ao aumento da inflação por causa do preço da carne, reforça posições equivocadas do atual governo sobre a Amazônia, os povos indígenas e a questão ambiental.

Ao sugerir a utilização das reservas indígenas para pastagens e transformar índios em pecuaristas, o presidente mostra o tamanho de sua ignorância e a ânsia para ceder aos interesses do agronegócio.

Para começar, se o interesse do governo, realmente, fosse em aumentar a produção de carne, e não apenas fazer o abre-alas para outras monoculturas, bastaria tão somente revitalizar experiências do setor que já se mostraram exitosas na Amazônia.

O médio rio Amazonas, por exemplo, após a boa refrega da juta, até o começo da década de 80 do século passado, substituiu a fibra pelo capim em várzea e terra firme e chegou a ter um rebanho perto das 300 mil cabeças de gado.

O vertiginoso crescimento foi alcançado apesar de todas as dificuldades de falta de conhecimento e das técnicas utilizadas para a criação de animais em extensas propriedades e baixa produtividade.

Muitas dessas áreas nunca viram sequer uma mão cheia de calcário para corrigir a acidez do solo. Mas, ainda assim, alavancaram a economia, botando para rodar um mercado que se pode ver do churrasquinho da esquina até a venda do couro e do esterco para a agricultura.

Muitos dos que deixaram a juta ainda resistem bravamente, conhecem bem cada pedaço de seus pastos degradados e até dão nome para seus animais, transformando-os em membros da família.

 

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Dados

Segundo o engenheiro agrônomo Valdenor Cardoso, o Bolacha, ex-secretário de Produção Rural do Amazonas, o estado possui algo em torno de 1 milhão de hectares de pastagens em condições de degradação agrícola e ambiental.

Há muito ele defende a tese de que essa pastagem, uma vez recuperada, teria a capacidade de hospedar 5 milhões de cabeças de gado, usando uma média tecnologia de manejo.

Portanto, sustenta o especialista, o Amazonas não precisa das áreas indígenas para aumentar a oferta de proteína animal.

 

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Cultura

Na contramão do que imagina Bolsonaro, há outra questão que não é tão simples como ele discursa. Trata-se do aspecto cultural.

A cultura dos povos indígenas da Amazônia segue uma lógica completamente distante do modo de vida da pressa que tenta colonizar a região.

Há de se questionar:

Eles estariam interessados em abandonar o milenar modo de vida, que trata a floresta como morada, portanto, como ética, e que considera os animais seus parentes, para se transformarem em fazendeiros?

Antes disso, há ainda a noção de tempo que anteciparia a uma possível emancipação econômica, já que hoje há dezenas de atividades que ajustaram seus estilos de vida à lógica mercantilista longe de suas terras.

Quer realmente criar gado na Amazônia? Que se comece primeiro por conhecê-la.

Do contrário, o governo só reforçará o que mostrou no primeiro exercício: permissão para desmatar e matar as vidas amazônica, as mesmas que preservam a floresta tão necessária ao próprio país e ao mundo.

 

Foto: Reprodução/internet/Fortmix