Amazônia: mais da metade do crédito de carbono vendida está ‘suja’
Os créditos deveriam ser vendidos para que as empresas neutralizem parte das suas emissões de gases de efeito estufa, compensando-as com a conservação das florestas tropicais.

Ednilson Maciel, da Redação do BNC Amazonas
Publicado em: 29/06/2025 às 09:56 | Atualizado em: 29/06/2025 às 09:56
Conforme levantamento da InfoAmazonia revela que mais da metade (61%) de todo o crédito de carbono vendido da Amazônia está em áreas também destinadas à mineração.
A informação está baseada nos dados da Agência Nacional de Mineração (ANM). Como informa o ICL.
Com isso, marcas globais como Ifood, Uber, Spotify e Google desembolsaram milhões de dólares para neutralizar suas emissões de gases de efeito estufa com projetos que, na prática, podem não ter garantia de integridade climática.
Dessa forma, são 40,1 milhões de toneladas de carbono potencialmente “sujo” vendidas – uma quantidade maior do que o Brasil inteiro emite para a própria produção anual de eletricidade – de um total de 65,8 milhões de toneladas comercializadas.
Ou seja, esse montante comprometido foi negociado por 31 projetos, todos baseados no mecanismo REDD+, criado no âmbito da Convenção do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo a reportagem, o objetivo é preservar o estoque de carbono florestal, que passa a ter um valor financeiro: cada crédito equivale a uma tonelada de dióxido de carbono (CO₂) que deixou de ser emitida em razão do suposto desmatamento evitado.
Assim, mais de 3,6 mil empresas, entidades e organizações internacionais, incluindo nomes globais do varejo, aviação, tecnologia e mercado financeiro, compraram esses créditos de carbono, incluindo algumas mineradoras, como a Vale e a Sigma.
Como resultado, o ICL identificou 114 projetos de carbono REDD+ no país, dos quais 73 estão sobrepostos totalmente, parcialmente ou tocam o limite de áreas destinadas à mineração.
Entre esses, 31 já comercializaram créditos (30 pela Verra, maior certificadora do mundo, e um pela colombiana Cercarbono).
Por exemplo, há casos em que a mineração já foi autorizada e, mesmo assim, os créditos continuam sendo emitidos. Em outros, projetos de carbono foram abandonados para dar lugar à exploração de minério.
Ao mesmo tempo, há também áreas em que o desmatamento já comprometeu a integridade da floresta – condição essencial para a geração de créditos. Alguns projetos avançam em terras indígenas com garimpo ativo.
“Estamos diante de uma economia altamente destrutiva de um lado, que é a mineração, e de uma suposta economia verde do outro, ambas explorando o mesmo território”, afirma a pesquisadora Marcela Vecchione Gonçalves, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (UFPA), que também foi consultora científica desta reportagem. “Uma mesma área está sendo usada como ativo financeiro para captar investimentos tanto da indústria da mineração quanto do mercado de carbono, o que é absolutamente incompatível”, completa.
“Estamos diante de uma economia altamente destrutiva de um lado, que é a mineração, e de uma suposta economia verde do outro, ambas explorando o mesmo território”, diz Marcela Vecchione Gonçalves, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA.
Em suma, os créditos deveriam ser vendidos para que as empresas neutralizem parte das suas emissões de gases de efeito estufa, compensando-as com a conservação das florestas tropicais.
Essas transações são citadas em relatórios de sustentabilidade e ESG (ambiental, social e governança) das companhias, ajudando a atrair investimentos e acessar financiamentos verdes.
Segundo a análise, a substância mais procurada nas áreas de créditos de carbono é o ouro, com ao menos 239 pedidos registrados na ANM. Outros 134 processos são para bauxita e 68 para cassiterita.
Portanto, o Pará lidera o ranking de conflito entre mineração e mercado de carbono, com 12 áreas identificadas, seguido pelo Amazonas, com 8, e Rondônia, com 6.
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Foto: Luciana Gatti/divulgação