Amazônia inspira pesquisa para combater as mudanças climáticas

Noemia falou sobre suas pesquisas e experiência do trabalho de campo na Amazônia ontem (29), na Roda de conversas da Valer Teatro

Wilson Nogueira, da Relação do BNC Amazonas

Publicado em: 31/03/2025 às 20:35 | Atualizado em: 01/04/2025 às 23:25

A realidade amazônica mudou o rumo da pesquisa científica da bióloga Noemia Kuzue Ishikawa com os fungos e seus resultados podem amenizar os efeitos das mudanças climáticas extremas sobre a produção de alimentos na Terra Indígena Ianomâmi.  

Noemia falou sobre suas pesquisas e experiência do trabalho de campo na Amazônia ontem (29/3), na Roda de conversas da Valer Teatro (Largo de São Sebastião, centro), com o título Brilhos amazônicos: do inferno à salvação.   

Ela chegou ao Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônica (INPA), em 2004, vinda do estado do Paraná, para dar continuidade à investigação dos fungos na formação dos cogumelos com potencial à bioindústria, mas não encontrou equipamentos nem financiamento compatíveis com um projeto de bioprospecção. 

Diante desse entrave, Noemia passou a pesquisar a relação entre cogumelos e as pessoas que os protegem, no caso a comunidade Kululu, no nordeste do estado de Roraima.

“Então, preferi trabalhar mais com as pessoas que são as guardiãs da floresta”, explicou Noemia. 

Com isso, a abordagem de campo também mudou, porque ela e sua equipe passaram a ouvir as demandas dos indígenas, como:  o que eles querem pesquisar? Qual o problema que eles precisam compreender no contexto da pesquisa? Quais as suas perspectivas com o resultado da pesquisa para atende às suas necessidades?

Assim, a equipe de Noemia passou a identificar as prioridades dos grupos envolvidos no projeto e atuar para dar-lhes respostas às suas inquietações. A comunidade ianomami Kululo, por exemplo, quis encontrar solução para a comercializar cogumelos com os quais ela, também, se alimenta. A pesquisa, então, identificou possíveis respostas à essa demanda.

Desse modo, a pesquisas se tornam uma via de mão dupla de conhecimentos, pois é realizada coletivamente, por meio da participação de indígenas e não indígenas. É possível observar que as mudanças sociais e climáticas que ocorrem no mundo, em algum momento, podem interferir no jeito de viver dos povos indígenas. 

“Percebe-se que eles preferem permanecer a sair das suas comunidades, até por uma questão de bem-viver, mas precisam superar dificuldades no relacionamento com o modo de viver dos não índios”, acentua Noemia.

Ianomâmi

Entre as várias pesquisas realizadas por Noemia e equipes estão as sobre os fungos que produzem cogumelos comestíveis e tintas para a cestaria yanomami. 

“Os ianomâmi comem cogumelo e chegou um momento que eles quiseram comercializá-los e tê-los como fonte de renda. A outra foi catalogar e identificar, cientificamente, os fios de estruturas fúngicas chamadas rizomorfos, com os quais a mulheres yanomamis produzem tecem a sua cestaria. 

Então, entramos para validar aqueles fios pretos dos cestos são produzidos por fungos”, comenta a pesquisadora. 

Noemia acrescenta que os resultados mais visíveis das pesquisas são a da transferência de informações científicas e tecnológicas para que os indígenas possam comercializar seus produtos em melhores condições no mercado.  

Esse projeto, financiado pelo Instituto Socioambiental da Amazônia (ISA), foi realizado em 2017. O desafio, que foi superado, era denominar, cientificamente, os nomes dos fungos comestíveis em línguas yanomami. 

Os resultados do projeto foram publicados no livro Ana amopö: cogumelos yanomami, prêmio Jabuti de 2017, na categoria Gastronomia.  O livro foi publicado em português e Sanoma, língua falada pelos yanomamis que habitam a região de Awaris. Outro livro sobre fungos, Brilho na floresta (Valer/Editora do Inpa), apresentou versões em sete línguas indígenas e cinco não indígenas. 

A pesquisadora destaca que as publicações plurilinguísticas favorecem o diálogo entre próprios indígenas e com sociedades não indígenas. Para ela, o diálogo está ausente, por exemplo, entre as instituições do estado e os povos indígenas. Essa situação, segundo a pesquisadora, dificulta políticas públicas eficazes para esse segmento social. 

“O governo quer desenvolver comunidades originárias com a distribuição de gado bovino, quando esse tipo de pecuária não está nas culturas delas. Isso tem sido feito, indistintamente, inclusive nas comunidades yanomamis”, disse.

A preocupação de Noemia se estende aos efeitos das mudanças climáticas que também atingem os povos tradicionais.

“As mudanças climáticas severas de 2023 e 2024 levaram fome às comunidades amazônicas tradicionais, entre as quais estão as dos povos indígenas. O fenômeno atrapalho atrapalha, por exemplo, o tempo do cultivo das roças. Os resultados das pesquisas visam, principalmente, a segurança alimentar dessas populações. No caso dos cogumelos comestíveis é possível que os yanomamis os colham e desidrate-os no inverno, e os consumam no período de seca”, esclarece Noemia.

Ela informou, ao mesmo tempo, que já encontrou os cestos yanomamis com fios pretos em lojas de artesanato do Brasil e do Japão.

No momento, Noemia coordeno o projeto Diálogos científicos multiculturais sobre a sóciobiodiversidade da Amazônia com potencial bioeconomico, financiado pelo CNPq. No projeto tem 53 pesquisadores envolvidos e dezoito indígenas, entre eles nove bolsistas indígenas aldeados.

Perfil de Noemia Kazue  

•⁠  ⁠Bióloga pela Universidade Estadual de Londrina (1995)

•⁠  ⁠Mestre em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (1997)

•⁠  ⁠Doutora em Environmental Resources — Hokkaido University — Japão (2001)

•⁠  ⁠Realizou pós-doutorado no The Tottori Mycological Institute – Japão, em 2010, e na Clark University — Estados Unidos, em 2016.

Entre os livros publicados pela escritora estão: 

•⁠  ⁠Brilho na floresta (Valer)

•⁠  ⁠Embaúba: uma árvore de muitas vidas (Escrituras)

•⁠  ⁠Porteira azul e outras histórias (Valer)

•⁠  ⁠Ana amopö: cogumelos yanomami (ISA)

Foto: divulgação