Terra de contrastes: a modernização que exclui

Modernização do agro empurra agricultura familiar para o colapso no sudoeste paulista.

Por Tiago Santi*

Publicado em: 07/07/2025 às 17:13 | Atualizado em: 07/07/2025 às 18:12

Em um país onde o agronegócio é constantemente celebrado como o grande motor da economia, pouco se fala sobre as profundas contradições desse modelo de produção, especialmente sobre algo que venho observando há tempos: o desaparecimento silencioso do pequeno agricultor de base familiar.

Sem questionar a importância econômica do setor, o que proponho aqui é fazer uma reflexão sobre como a modernização conservadora da agricultura brasileira, ao mesmo tempo que potencializou a produção de commodities agrícolas do país, teve como efeito colateral a marginalização do pequeno produtor que não conseguiu se integrar a esse novo modelo produtivo.

No Sudoeste Paulista, onde a agricultura familiar sempre teve papel central – e onde estão alguns dos menores IDHs do estado – esse processo de modernização gerou um cenário paradoxal: municípios com altíssimos índices de produção agrícola convivem com bolsões de pobreza rural e êxodo populacional.

A “modernização” não democratizou o acesso à terra nem à renda. Pelo contrário, reforçou a concentração fundiária e empurrou milhares de agricultores familiares para a periferia das cidades ou para a dependência de relações precarizadas de trabalho.

Modernização conservadora: o que foi isso?

A partir da segunda metade do século XX, o cenário agrícola mundial experimentou um processo de transformação sem precedentes, por meio de um projeto capitalista de modernização da agricultura. Esse projeto, aliado a um discurso de combate à fome, foi ancorado em inovações tecnológicas da Revolução Verde, que buscavam aumentar a produtividade agrícola com o uso intensivo de insumos químicos e com a mecanização do setor.

No Brasil, esse processo ganhou força a partir década de 1950, com a importação das novas tecnologias, intensificando-se nas décadas seguintes pelas políticas de substituição de importações, constituição dos complexos agroindustriais e a integração de capitais intersetoriais, aliado a um forte fomento estatal por meio de políticas de financiamento agrícola, pesquisa e extensão rural.

No entanto, cabe destacar que a escolha da chamada “modernização conservadora” foi o resultado de um complexo processo mediado por discussões políticas e pelo pensamento econômico da época. Influenciado pelo pensamento funcionalista norte-americano, e adotado com força pelo regime militar de 1964, esse modelo evitou enfrentar a questão da reforma agrária, privilegiando as elites agrárias capitalizadas e detentoras de grandes propriedades.

Como consequência, os agricultores familiares ficaram à margem desse processo, o que intensificou a concentração de terras, a precarização do trabalho no campo e o êxodo rural, bem como promoveu um preocupante avanço sobre os biomas brasileiros, os quais perderam milhares de hectares para esse modelo de produção.

Os reflexos da modernização no sudoeste paulista

Como morador do sudoeste paulista e filho de agricultores familiares, vivenciei esse processo de modernização da agricultura in loco, e durante minhas pesquisas acadêmicas observei que a típica pequena propriedade de base familiar, que por décadas sustentou a economia local e garantiu a produção de alimentos básicos, está em um processo silencioso de desaparecimento.

É fato que houve uma considerável melhora na condição socioeconômica dessas famílias nos últimos 50 anos, motivada por uma série de circunstâncias não relacionadas exclusivamente à questão agrícola. Mas não podemos negar os impactos negativos de tais transformações na realidade e no cotidiano dessa população rural.

Foi entre as décadas de 1960 e 1980 que um novo pacote tecnológico da Revolução Verde promoveu significativas transformações nas atividades produtivas do sudoeste paulista: a produção para o autoconsumo deu lugar à uma estrutura tipicamente capitalista, com utilização intensiva de insumos químicos, agrotóxicos e mecanização.

Nesse processo, houve um considerável aumento na área de produção, especialmente no cerrado. Entretanto, a região não conseguiu constituir um complexo produtivo forte, com agroindústrias e cooperativas. Quem se fortaleceu foi o capital comercial – atravessadores e revendedores de insumos – enquanto a agricultura familiar enfrenta crescentes dificuldades.

Dentre a grande diversidade social da agricultura familiar, poderíamos distinguir dois grupos antagônicos, mas que não se encerram em si mesmos: as famílias mais capitalizadas, com acesso a crédito e com maiores extensões de terra, que conseguiram acessar as novas tecnologias e aumentar a área produtiva, especializando-se na produção de commodities; e as famílias sem acesso a crédito, com menor quantidade de terras, ou não adequadas às novas tecnologias, que não conseguiram acessar o novo modelo, retornando às atividades tradicionais, como a pecuária de leite e corte, mas em condições cada vez mais difíceis.

A invasão das monoculturas

Hoje, a paisagem do sudoeste paulista é dominada por monoculturas, utilizando alta tecnologia, que aos poucos estão avançando sobre as pequenas propriedades que não conseguem se integrar ao novo modelo. Sem capital, assistência técnica e incentivos governamentais, esses pequenos produtores sobrevivem com dificuldades.

Arrendar as terras ou vendê-las aos médios e grandes produtores é uma solução viável. O êxodo rural é evidente. É comum encontrar propriedades quase inativas, onde apenas idosos permanecem, muitas vezes sustentados pela aposentadoria rural.

Um exemplo emblemático é o de um casal de agricultores, já idosos, no município de Campina do Monte Alegre, que enfrentam sérias dificuldades para manter sua pequena produção: não conseguem vender o leite em pequenas quantidades para o laticínio, sofrem com leis restritivas para comercialização direta ou produção de queijo, indisponibilidade de mão de obra e de máquinas adequadas para a produção de grãos em pequena escala, falta de assistência técnica para o cuidado com as plantações e animais. São muitas barreiras e poucas alternativas.

Considerações finais

Nesse sentido, fica evidente que o avanço desse modelo agroexportador acaba substituindo a diversidade de cultivos e o conhecimento tradicional que caracterizam a agricultura familiar do sudoeste paulista.

As práticas locais, moldadas por gerações de agricultores que conhecem intimamente o solo, o clima e a flora da região, dão lugar a um modelo de produção altamente tecnológico que prioriza a produtividade e o lucro. O que era antes uma vida de autonomia no campo tornou-se uma luta constante para sobreviver em um mercado cada vez mais excludente.

Nesse contexto, promover modelos de produção agrícola viáveis à agricultura familiar não é apenas uma questão de justiça social, mas também é estratégico para o futuro do país. É preciso adaptar toda essa tecnologia e os conhecimentos acumulados para as pequenas propriedades com o objetivo de viabilizar uma agricultura mais diversificada, sustentável e enraizada nos saberes locais.

Dessa maneira, será possível gerar riqueza de forma mais equitativa, proteger o meio ambiente e garantir alimentos de qualidade para a população. A atuação do poder público, das universidades e institutos de pesquisa são essenciais para fomentar esse processo. Os agricultores familiares que ainda resistem precisam ser ouvidos, respeitados e valorizados, antes que suas vozes se percam para sempre no ruído ensurdecedor das grandes máquinas.

*O autor é doutorando em Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente na Universidade de Araraquara (UNIARA).

Foto/imagem: Tiago Santi