Meus heróis estão morrendo
Todos já se foram. Ficou o conhecimento e o amor pela cultura e pela arte

Mariane Veiga, por Lúcio Carril
Publicado em: 06/07/2023 às 19:16 | Atualizado em: 06/07/2023 às 19:28
Sim, meus heróis estão morrendo, e não é de overdose.
Comecei a ler os clássicos muito cedo e muito cedo também conheci o povo do teatro, da literatura, do cinema e das ciências, que se tornaram não só uma referência das artes e do conhecimento, mas um exemplo de vida.
Com meus camaradas do Grupo Universitário de Teatro do Amazonas – GRUTA conheci Boal, Guarnieri, Brecht, Zé Celso, Plínio Marcos, Vianinha, e tantos outros ícones da dramaturgia.
Na militância política, abracei Luiz Carlos Prestes, Salomão Malina, Giocondo Dias, Luiz Santana, Belarmino Marreiro, Antenor Caldas, Juca Moveleiro e muitos outros comunistas. Segui a resistência de Marighella, Lamarca, Thomás Meirelles, Antogildo Pachoal Viana, Manoel Rodrigues e outros tantos que enfrentaram a ditadura militar.
Eu ainda era um adolescente quando com 15, 16 anos caminhava do Beco do Macedo até a biblioteca pública do estado, ali na rua Barroso, para ler Jorge Amado, José Lins do Rego, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Pablo Neruda, Cecília Meirelles e muitos outros clássicos da literatura e da poesia.
Todos já se foram. Ficou o conhecimento e o amor pela cultura e pela arte.
Na leitura política, lembro que foi o Orlando Farias quem me emprestou os primeiros livros. Foi ele que me presenteou com as Memórias de Gregório Bezerra. Ali conheci meu primeiro grande herói. Era um homem, nordestino, cuja coragem transcendia o humano. Estava na sua consciência e no seu espírito de resistência. Chorei e me indignei. Aos 14 anos, eu descobria com Gregório Bezerra que deveria seguir sua luta.
O Orlando também partiu, prematuramente, como muitos que ainda tinham um caminho a trilhar.
Como dói ter perdido a Gal, o Pablo Milanês, o Paulo Gustavo, a Elza Soares. Como dói.
Sei que estou pagando um preço alto por ter feito dessa gente uma referência na minha vida, mas foram eles que me formaram e me fizeram o que sou hoje. Eu os conheci muito jovem e é normal que no ciclo da vida muitos já tinham que partir. O problema é que a morte não é uma querida que abraçamos com esperança. Ela é o fim de tudo e nos deixa entristecidos, atordoados e sofridos.
A caminhada continua. O lamento sempre terá presença confirmada em cada despedida. Lágrimas continuarão caindo, tilintando no chão como uma taça de vinho que se solta da mão trêmula.
Zé Celso, presente, hoje e sempre, assim como todos companheiros e companheiras que partiram.
O autor é sociólogo.
Foto: Akemi Nitahara/Agência Brasil