‘Masculinidade hegemônica’: o que isso tem a ver conosco?
Este texto analisa como esses padrões limitam homens e mulheres, contribuindo para a violência e a desigualdade de gênero.

Diamantino Junior
Publicado em: 26/11/2024 às 17:20 | Atualizado em: 26/11/2024 às 17:20
Por Esmael Oliveira*
Quando falamos em “masculinidade”, o que vem à mente? Para muitos de nós, trata-se da ideia de força, invulnerabilidade e autossuficiência – características que, por décadas, foram enaltecidas como parte de uma imagem ideal de “ser homem”.
No entanto, essa concepção, conhecida na sociologia como “masculinidade hegemônica”, tem gerado um alto custo social para mulheres, crianças, idosos e, sobretudo, para os próprios homens, refletindo-se em dados alarmantes de saúde pública e violência.
As estatísticas não mentem. Entre as principais causas de morte de homens adultos jovens estão fatores externos, como acidentes e homicídios. Homens mostram maior tendência ao suicídio: segundo a Organização Mundial da Saúde, em 2019, eles foram 78% das vítimas globais de suicídio, enquanto as mulheres representaram 22%.
A realidade também é dura quando o assunto é câncer de próstata, o segundo tipo de câncer mais letal entre homens no Brasil, com mais de 15 mil mortes em 2018.
Paralelamente, 32,6% das mulheres brasileiras sofrem violência psicológica de parceiros íntimos, um dado que revela não só os impactos da masculinidade hegemônica nos próprios homens, mas também no círculo de relações ao seu redor.
O conceito de “masculinidade hegemônica” foi formulado pela socióloga australiana Raewyn Connell na década de 1990.
Para Connell, essa ideia surge de expectativas sociais e culturais que consolidam uma imagem específica de “homem ideal” – um homem branco, heterossexual, cristão, de classe alta, que exerce controle sobre si e sobre os outros.
Esse modelo coloca a dominação e a virilidade como atributos centrais, relegando valores como o cuidado e a sensibilidade a um lugar de menor valor.
Em resumo, essa masculinidade funciona como um padrão imposto, dificultando aos homens a expressão de suas emoções, e que peçam ajuda ou reflitam sobre a própria saúde física e mental sem receio de parecerem “fracos”.
O que isso tem a ver conosco?
Mas, afinal, o que isso tem a ver conosco?
E por que importa tanto falar sobre o assunto?
A masculinidade hegemônica afeta homens e mulheres em diferentes aspectos de suas vidas, sejam eles públicos ou privados.
Para os homens, as estatísticas revelam um quadro preocupante: o orgulho e a pressão para manter uma imagem de “força” muitas vezes os impede de procurar ajuda, seja para lidar com problemas emocionais ou com questões de saúde física.
A consequência disso pode ser observada na taxa de suicídio entre homens e na alta incidência de doenças, que frequentemente são diagnosticadas tardiamente, por causa daresistência em realizar exames preventivos.
No entanto, a masculinidade hegemônica também afeta diretamente a vida das mulheres.
O controle e a autoridade que esse modelo incentiva podem se traduzir em formas de violência, incluindo a psicológica, que atinge mais de um terço das brasileiras.
A cultura de dominação não impacta apenas o bem-estar das mulheres, mas mina as relações íntimas, onde confiança, cuidado e reciprocidade deveriam prevalecer.
A desconstrução desse modelo hegemônico não significa o abandono da masculinidade (que não é um atributo dos homens), mas sim a construção de uma versão mais saudável e menos restritiva. Isso exige uma reflexão sobre os estereótipos de gênero que foram sedimentados ao longo dos séculos e que limitam o que é ser homem.
Estereótipos
Esses estereótipos fortalecem a ideia de que os homens devem resolver problemas com violência e força, precisam sempre ser líderes e não devem mostrar vulnerabilidade.
No entanto, é essencial abrir espaço para uma versão de masculinidade que inclua o cuidado, a empatia e a responsabilidade emocional – aspectos que são vitais para uma convivência mais saudável e para uma sociedade menos violenta.
Como afirmou o pesquisador e sanitarista Marcos Nascimento, “se os homens fazem parte do problema, eles têm que fazer parte da solução”. Refletir sobre os homens que somos e o que podemos ser é uma tarefa que interessa a todos nós.
Ela cria a possibilidade de novos modelos de masculinidade, em que o respeito, o cuidado (consigo e com os outros) e a consideração pelo próximo possam existir sem serem sentidos como ameaçadores.
Esse é um desafio não apenas para os homens, mas para todos nós que desejamos uma sociedade mais equitativa e comprometida com o enfrentamento e a deslegitimação das opressões e violências cotidianas – seja no âmbito público, seja no privado.
A transformação da masculinidade hegemônica em masculinidades plurais não apenas abre espaço para uma convivência mais respeitosa entre homens e mulheres, mas também é uma questão de sobrevivência: das mulheres, das crianças, dos idosos – e, especialmente, dos próprios homens.
Portanto, é hora de pensar em masculinidades que agreguem valores e possibilidades menos restritivas e danosas, deixando para trás a ideia de que ser homem é sinônimo de poder e dominação.
Afinal, o que pode ser mais salutar do que homens que escolhem viver plenamente e permitem que outras pessoas também o façam, contribuindo para a construção de uma sociedade melhor para todas, todos e todes?
O autor é antropólogo, pós-doutorando em saúde coletiva na IFF/Fiocruz.
Foto: banco de imagens