Marina é mesmo entrave à BR-319 ou bode expiatório de escolha equivocada?
O que deveria ser um debate técnico e transparente sobre desenvolvimento e meio ambiente, virou palanque para insultos

Mariane Veiga, por Marc Anthony Rodrigues
Publicado em: 28/05/2025 às 21:51 | Atualizado em: 28/05/2025 às 21:51
Na recente e conturbada sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado, neste 27 de maio de 2025, a ministra do meio ambiente Marina Silva foi alvo de ataques pessoais e políticos, abandonando a audiência após ofensas que ultrapassaram os limites do razoável.
O estopim? A sua resistência em conceder licenciamento ambiental irrestrito à pavimentação da BR-319.
O que deveria ser um debate técnico e transparente sobre desenvolvimento e meio ambiente, virou palanque para insultos e simplificações perigosas.
A pergunta que precisa ser feita — e raramente é — é se Marina Silva está, de fato, “atrapalhando o desenvolvimento” ou se está sendo usada como bode expiatório de um modelo ultrapassado de crescimento, que insiste em ver na construção de estradas em plena floresta amazônica a única via para integração regional.
E, ainda mais importante: por que quase ninguém fala da hidrovia do rio Madeira, essa sim uma alternativa robusta, eficiente e ecologicamente muito mais viável para o transporte na Amazônia?
Ao se posicionar contra o asfaltamento irrestrito da BR-319, Marina Silva não está travando o desenvolvimento do país, mas sim defendendo a legalidade e a sustentabilidade de longo prazo.
A estrada corta o coração da Amazônia e, segundo dados do próprio Ibama, já tem provocado desmatamento apenas pela expectativa de sua pavimentação.
Populações indígenas não foram consultadas, e a ausência de um estudo de impacto ambiental estratégico demonstra uma pressa cega e irresponsável.
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Estradas fluviais
Enquanto isso, exemplos positivos de transporte na região são solenemente ignorados.
A hidrovia do rio Madeira, por exemplo, alcançou em 2025 um recorde de transporte de carga com um comboio histórico, como mostrou matéria do site BNC Amazonas .
A hidrovia já cumpre papel logístico vital, movimentando grãos, combustíveis e mercadorias em grandes volumes com custo reduzido e impacto ambiental imensamente menor do que qualquer rodovia asfaltada cortando a floresta.
Por que, então, esse modelo de transporte sustentável e eficaz não ocupa o centro do debate sobre o desenvolvimento do Amazonas?
Por que o foco quase exclusivo na BR-319, uma obra com histórico de ilegalidades, ameaças à biodiversidade e catalisadora de invasões e grilagem?
A resposta parece mais política do que técnica:
a estrada virou símbolo ideológico, e Marina Silva, um alvo fácil para os que buscam um culpado para décadas de ineficiência na gestão da Amazônia.
A verdade é que desenvolvimento e conservação não são excludentes.
O que está em jogo não é a estrada em si, mas o tipo de Amazônia que queremos construir: uma região conectada por vias sustentáveis, que respeitem suas populações e ecossistemas, ou uma floresta cortada por vias que abrem caminho para o crime ambiental e a destruição irreversível.
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Discursos simplórios e lacração
A saída da ministra da sessão do Senado não foi um gesto de fragilidade, mas de coerência. Afinal, como ela mesma disse, a discussão não pode continuar sendo travada em cima de caricaturas e simplificações.
Marina Silva não é o problema da BR-319.
O verdadeiro problema é insistir que jogar asfalto na floresta é o único caminho possível, enquanto se ignora, deliberadamente, o potencial gigantesco do transporte fluvial como solução moderna, limpa e estratégica para a Amazônia.
O autor é habitante da Amazônia.
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado