Manaus, uma cidade doente (parte 1) 

Doenças antigas como a hanseníase e a tuberculose convivem tranquilamente com as recém-chegadas, como a Covid-19 e a esporotricose

Manaus, cidade doente

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 05/02/2022 às 06:47 | Atualizado em: 12/02/2022 às 06:13

A cidade de Manaus – capital do Estado do Amazonas, sede do maior polo industrial de eletroeletrônicos da América Latina e detentora do sexto maior PIB entre as capitais brasileiras – é, hoje, uma cidade doente. 

Ao analisarmos as informações disponibilizadas pelos sites oficiais dos governos estadual e municipal ligados às secretárias de saúde, bem como da imprensa local, percebemos um volume alto de notícias relacionadas a ocorrências de doenças infectocontagiosas na cidade. 

A falta de saneamento básico, a geografia da cidade, o clima quente e úmido da região, além de, fundamentalmente, a malversação do dinheiro público da área da saúde, contribuem para a manutenção e a proliferação de diversas doenças. 

Em Manaus, doenças antigas como a hanseníase e a tuberculose convivem tranquilamente com as recém-chegadas, como a Covid-19 e a esporotricose – uma zoonose transmitida por fungos, que afeta pessoas e animais, especialmente felinos.

No que tange a doenças antigas, a tuberculose tem presença constante na cidade. Assim, de acordo com dados da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), divulgados pelo site g1.com, “dos 2.863 casos novos de tuberculose registrados em 2020, 2.080 foram em Manaus (72,70%), e os demais 783 (27,30%), no interior do estado”. 

A reportagem segue informando que o Amazonas detém a “maior taxa de incidência de tuberculose do país com 64,8 casos por 100 mil habitantes”. 

Também faz parte do cotidiano da cidade de Manaus, a hanseníase, uma doença infectocontagiosa da Antiguidade. 

De acordo com a reportagem publicada no portal amazonas.am.gov.br, um site oficial do governo do estado, a Fundação Alfredo da Matta, referência no estudo, diagnóstico e prevenção da doença no Amazonas, realizou, em 2020, “57.350 exames dermatológicos para a detecção de casos suspeitos de hanseníase, sendo 14.862 procedimentos além da meta para o ano”.

Ainda sobre essa infecção, dados da Secretária Municipal de Saúde (Semsa), divulgados no site semsa.manaus.am.gov.br, informam que Manaus “registrou, em 2021, 100 casos de hanseníase representando uma alta de 42% em relação ao ano anterior, quando foram contabilizados 70 casos da doença”. 

Como dito, a falta de saneamento básico, a geografia e o clima tropical da Amazônia potencializam doenças infecciosas transmitidas por mosquitos, como a malária, a febre amarela, a dengue, entre outras, mas há outros fatores que devemos levar em conta.

O regime das águas (enchente, cheia, vazante e seca) contribui para a proliferação de diversas doenças, fundamentalmente, aquelas de veiculação hídrica, como a hepatite A, a leptospirose, bem como gastroenterites bacterianas e virais ou mesmo aquelas causadas por nematoides (vermes redondos). 

De acordo com matéria divulgada pela FVS-AM, no site fvs.am.gov.br, “foram registradas 52.095 casos de doenças de veiculação hídrica diarreicas nos primeiros cinco meses de 2020 e 60.570 ocorrências de janeiro a maio de 2021”. 

A matéria informa, ainda, que o estado do Amazonas apresentou “redução de 13% no cenário de leptospirose, sendo 13 casos notificados de janeiro a maio de 2021, e 15 no mesmo período do ano de 2020”.

Apenas para lembrar, em 2020, a cidade figurou nos noticiários nacionais e internacionais de forma negativa por conta da pandemia do novo coronavírus. 

Manaus foi manchete constante dos noticiários, primeiramente pelo possível surgimento ou propagação inicial de uma nova variante do novo coronavírus na região. Depois, foi destaque por conta da superlotação dos hospitais, pelas mortes por falta de oxigênio e pela falta de vagas nos cemitérios. 

Ao todo já faleceram 9.525 pessoas em Manaus por Covid-19. No estado do Amazonas, o número está na casa de 13.860 falecimentos.  

É fato que as doenças que mencionei aqui – algumas, apenas, pois há muitas mais – podem ocorrer no Brasil todo. De todo modo, no caso da Covid-19, apesar de tratar-se de uma pandemia mundial, há uma particularidade na cidade de Manaus que gostaria de pontuar: como possui bastantes recursos, poderia se dizer que é uma capital rica, logo, não é administrativamente justificável a situação precária da saúde na cidade.

O Polo Industrial de Manaus (PIM), por exemplo, é o principal responsável pela pujança econômica e pela segurança financeira da cidade, sendo o orçamento da capital amazonense, em 2022, da ordem de R$ 7,1 bilhões, segundo informações da Secretaria Municipal de Finanças e Tecnologia da Informação (Semef). 

Isso não é pouca coisa! Essa cifra não faz parte da realidade financeira da maioria das capitais brasileiras, ou seja, ela dispõe de mais recursos do que muitas outras. É possível concluir, portanto, que certamente há algo errado na gestão financeira ligada à área de saúde da capital amazonense, pois as mortes, bem como a condução desastrada da pandemia da Covid-19 na cidade, revelam isso. 

No geral, a saúde pública e privada na cidade de Manaus é muito ruim, o que a coloca em uma situação paradoxal. Ou seja, se, por um lado, trata-se de uma cidade rica, por outro, tem-se uma cidade pestilenta, doente, que, em pleno século XXI, ainda convive com enfermidades medievais. 

Nos próximos textos, falarei especificamente de duas doenças que assolam a cidade e que, apesar de não serem biológicas, contaminaram Manaus de forma tão grave quanto as doenças aqui citadas. 

Até lá!