Liberdade é escravidão, independência é morte

Analisando os últimos acontecimentos políticos no Brasil, a impressão que dá é a de que Orwell embarcou no De Loeran DMC-12, viajou no tempo em direção ao futuro e veio parar no Brasil exatamente hoje, dia 7 de setembro de 2021

Mariane Veiga, por Aldenor Ferreira*

Publicado em: 07/09/2021 às 11:56 | Atualizado em: 07/09/2021 às 12:12

“Guerra é paz, liberdade é escravidão e ignorância é força”. Esse é o lema do “Partido”, que governa a Oceania, sociedade ficcional criada por George Orwell em seu romance intitulado 1984.

Analisando os últimos acontecimentos políticos no Brasil, a impressão que dá é a de que Orwell embarcou no De Loeran DMC-12, viajou no tempo em direção ao futuro e veio parar no Brasil exatamente hoje, dia 7 de setembro de 2021. 

Baseado no que viu e ouviu, Orwell escreveu seu romance, publicado em 1949, cujo enredo retrata uma sociedade distópica, com um Estado extremamente totalitário que, sob a vigilância de um Big Brother, procura mudar a história de seu povo, reescrevendo-a.

Esse governo criou até um novo idioma, a novafala ou novilíngua, que buscava restringir o pensamento de seus falantes ao alterar suas possibilidades de expressão. Em meio a tudo isso, o Estado “vigiava e punia”, como nos diria Michel Foucault, os que se manifestavam contra o novo regime.

À semelhança do romance de Orwell, no Brasil de Bolsonaro, ou melhor, na sociedade distópica do Bolsonaristão, há uma forte tentativa de reescrita da história e de perseguição a quem se opõe ao governo.

Há também uma forte campanha para eliminar de vez o pensamento crítico e a capacidade de reflexão dos sujeitos. O ato de pensar, no Bolsonaristão, passou a ter o mesmo significado que tinha na Oceania de Orwell: “significa não pensar – não ter necessidade de pensar. Ortodoxia é inconsciência”.  

A meta do atual governo, desde 1º de janeiro de 2019, é fazer com que “todo conhecimento real de velhafala” desapareça, que “toda a literatura do passado” seja destruída, inventando, inclusive, novas narrativas sobre eventos históricos como a ditadura militar brasileira.

Como na Oceania, “Chaucer, Shakespeare, Milton, Byron existirão somente em suas versões em novafala, em que, além de transformados em algo diferente, estarão transformados em algo contraditório com o que eram antes”.

Na Oceania de Orwell, a função do “Departamento de Documentação” do “Ministério da Verdade” é mudar os arquivos jornalísticos do passado e reescrevê-los na novafala. Na prática, isso significa alterar dados e informações, tudo de acordo com os interesses do “Partido”.

Quanta semelhança!

No Bolsonaristão, o “Departamento de Documentação” chama-se “Gabinete do Ódio”, órgão responsável pela alteração de dados, manipulação de informações, destruição de reputações e perseguição de adversários políticos.

Aliás, coube a esse Gabinete, desde o início do governo, a criação e a manutenção de um “Estado de Guerra” permanente.

Isso foi deveras importante para o afloramento do “nacionalismo” e do “patriotismo” da população, apesar de algumas operações policiais recentes terem revelado que, em muitos casos, eles não são genuínos.

Mas, o Estado beligerante é essencial; afinal, ter um inimigo constante, mesmo que ele seja imaginário, é fundamental para a construção da justificativa de que “as coisas só irão melhorar depois que o inimigo for derrotado e a guerra for vencida”.

É tudo mentira!

O pano de fundo desse permanente “Estado de Guerra” mostra que sua finalidade é evitar que os oposicionistas ao governo se unam contra a destruição das instituições, a perda de seus direitos trabalhistas, a censura, a violência, a degradação da natureza, a corrupção etc.

Mas, para os nacionais do Bolsonaristão, a mentira passou a ser verdade, esta, por sua vez, passou a ser mentira. Eles/Elas estão em uma outra realidade, estão imersos em uma profunda e irreversível distopia.

Na novafala do Bolsonaristão, “guerra é paz, liberdade é escravidão e ignorância é força”. Por isso, precisamos compreender que, neste 7 de setembro, quando pedem democracia e liberdade, estão, na verdade, pedindo censura e ditadura.  

Está tudo invertido, como no romance de Orwell: ignorância é força, com vilões podendo ser transformados em heróis. E essa ignorância é justamente o que dá força aos governantes, retroalimentado seu poder.

Como Paulo Freire, recorrendo a Hegel, escreveu: “na consciência do oprimido, reside a verdade do opressor”. Portanto, não devemos nos iludir, visto que, como dito, está tudo invertido.

Neste dia 7 de setembro de 2021, guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força, verdade é mentira, independência é morte. Onde você fica em meio a tudo isso?

autor é sociólogo.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil