Lacradores invadem universidades públicas

Segundo o articulista, a direita neoliberal e a extrema direita têm trabalhado a favor do retrocesso na educação. Leia o que diz o jornalista Walmir de Albuquerque Barbosa

Ednilson Maciel, por Walmir de Albuquerque Barbosa*

Publicado em: 23/05/2025 às 11:24 | Atualizado em: 23/05/2025 às 11:29

A invasão das universidades públicas brasileiras por coletivos de extrema direita tem por objetivo promover a higienização ideológica no ensino superior.

Imaginam eles que a “elite empresarial empreendedora” sustenta a instituição e não deve aceitar as políticas identitárias, as cotas, o que eles chamam, na sua ignorância convicta, de “marxismo cultural” e outras práticas que “atentem contra os bons costumes”.

Os ataques cada vez mais frequentes aproveitam-se, o que é certo, do enfraquecimento da instituição pública nesses últimos vinte e cinco anos.

No governo FHC, seu ministro da Educação colocou na praça a proposta de privatização das universidades públicas; e, não conseguindo realizá-la, passou a achacá-las ao mesmo tempo que ampliava o setor privado da educação com uma legislação facilitadora que lhe dava condições de assalto até aos recursos públicos com crédito a juros baixos do BNDES e a outros programas que permitiram sua expansão vertiginosa.

O resultado está aí: universidades públicas resistindo aos contingenciamentos e, com o que lhes resta, prestando serviço de melhor qualidade; e o setor privado, inchado, na maioria esmagadora, oferta cursos de péssima qualidade, mesmo contando com o Prouni e o Crédito Educativo, além de isenção de impostos estaduais e municipais.

O setor tornou-se tão lucrativo que interessou aos grandes conglomerados financeiros mundiais que investem na educação como mercadoria e universidades particulares decadentes são compradas, incorporadas ao grupo, maquiadas e postas no mercado novamente com maior viabilidade econômica.

Basta ver o último Ranking das Universidades Brasileiras em 2025 para confirmar o que é dito.

Assim sendo, aos lacradores que participam dos movimentos de invasão é preciso dizer que não é a elite econômica que sustenta a universidade pública e sim a maioria do povo brasileiro, que paga impostos no “holerite” (contracheque) e nos produtos que consome e, nem sempre, tem acesso ao ensino superior, mesmo incluindo as vagas nas escolas privadas; apenas uma parcela ainda pequena chega à universidade via cotas, tão contestadas por apoiadores desses coletivos.

Poderiam “dar um Google” e aprender que os latifundiários brasileiros foram os primeiros a se beneficiarem das cotas em universidades públicas.

Em 1968, a ditadura fez a Lei do Boi (Lei 5.465/1968), garantindo a entrada dos filhos de proprietários de terra, ou aos próprios, na universidade e virarem doutores, sem vestibular e sem pagar um tostão até 1985, quando foi revogada.

Conseguiram o que já era dado aos militares, cujos filhos tinham a primazia das vagas nas escolas militares, sem ter que disputá-las com os filhos de civis. Portanto, é uma ignomínia levantar o dedo contra as cotas em nome da meritocracia e obscurantismo, tentando impor o “pensamento único”.

O embate entre universidade e sociedade é histórico: “nem em sua forma medieval, nem em sua forma moderna a universidade dispôs de sua autonomia absoluta e das condições rigorosas da sua unidade. Por mais de oito séculos, ‘universidade’ terá sido o nome dado por nossa sociedade a uma espécie de corpo suplementar que ela quis, ao mesmo tempo, projetar para fora de si e guardar ciosamente dentro de si, emancipar e controlar” (O Olho da Universidade. DERRIDA, Jacques. SP: Estação Liberdade, 1999, p.155).

A direita neoliberal e a extrema direita, nesta quadra de século, no Brasil, têm trabalhado a favor do retrocesso na educação buscando eliminar nossas conquistas na CF/88, sobretudo quanto à vinculação orçamentária, criação de creches, universalização do ensino básico e acesso ao ensino superior das populações mais pobres, boicotando a alfabetização de adultos ao estigmatizar Paulo Freire e desqualificar a escola pública, vendo-a como gasto; rejeitando recursos tecnológicos para servir aos caprichos das corporações de ofício que querem reserva de mercado para as profissões que representam – e não deixam usá-los como ferramentas pedagógicas da aprendizagem a serviço da expansão das oportunidades, com garantia de qualidade.

As reformas curriculares atendem, com isso, aos interesses corporativos e de mercado; boas práticas pedagógicas, às vezes, são recusadas em nome de um conservadorismo estúpido.

Os lobbies de empresários, de religiosos e de falsos moralistas travestidos de lacradores, como mariposas, rondam a escola pública e laica.

Os brasileiros não merecem tanto escárnio!

*O autor é jornalista profissional.

Foto: Agência Brasil