Jurados: o calcanhar de Aquiles do Festival

É possível dizer que, diante dessa fragilidade, o Festival de Parintins se assemelha a um gigante com os pés de barro

Jurados: o calcanhar de Aquiles do Festival

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 28/06/2025 às 00:01 | Atualizado em: 28/06/2025 às 00:11

Neste sábado, na arena do bumbódromo, ocorrerá a segunda noite do 58º Festival Folclórico de Parintins. Um espetáculo grandioso que encanta o país com cores, brilhos, sons e performances carregadas de paixões e emoções. É inegável: trata-se de um dos maiores eventos culturais do Brasil e do mundo.

No entanto, por trás da beleza cênica da arena e da potência criativa apresentada pelos bois Garantido e Caprichoso, persistem, ao longo de mais de meio século de festival, problemas que depõem contra a grandeza do evento. 

Há outras fragilidades, mas neste texto destaco apenas uma delas, que considero o “calcanhar de Aquiles” da grande festa: o processo de escolha dos jurados. Nesse contexto, é possível dizer que, diante dessa fragilidade, o Festival de Parintins se assemelha a um gigante com os pés de barro. 

Divulgação nacional do Edital

A Prefeitura de Parintins constitui uma Comissão de Escolha de Jurados e publica o edital de credenciamento, como determina a lei, no Diário Oficial do Município. Ponto positivo. A intenção é montar um banco de nomes, a partir do qual serão escolhidos os jurados das três noites do festival. 

Contudo, não se pode parar por aí. É fundamental a ampla divulgação oficial do edital, por todos os meios disponíveis, inclusive em veículos de imprensa de grande circulação nacional. Afinal, poucas pessoas – para não dizer nenhuma –, acompanham rotineiramente os diários oficiais, sejam eles municipais, estaduais ou federais. Sem ampla divulgação nacional, como esperar que cidadãos interessados de outras partes do país conheçam o edital por conta própria?

Outro ponto frágil: o edital não apresenta uma métrica ou metodologia – quantitativa e/ou qualitativa – para ranquear os candidatos inscritos. O que há são os requisitos de participação, os critérios de habilitação e o perfil desejado dos candidatos. Isso, porém, é insuficiente. É necessário que, após as inscrições, os candidatos sejam avaliados e classificados com base em notas objetivas. Somente a partir de um ranqueamento (que deveria ser publicizado) seria adequado realizar o sorteio final.     

Que métrica foi utilizada?

Em outras palavras, os critérios de pontuação para atribuição de notas aos candidatos deveriam constar no edital de forma clara. Por exemplo: a) livro publicado na área – X pontos; b) artigo científico em revista indexada – X pontos; c) músicas, vídeos, esculturas, desenhos, apresentações teatrais e outras produções culturais – X pontos. 

Com base nesses ou em outros critérios, formar-se-ia um ranking. Nesse caso, os melhores ranqueados entrariam, então, no grupo elegível ao sorteio final dos dez jurados. No entanto, esses critérios não estão presentes no edital de 2025 – ao menos, não os encontrei. 

Certamente, alguma métrica foi utilizada para se chegar aos dez nomes, mas como não há nenhuma descrição no edital, eu pergunto: entre centenas de inscrições recebidas, qual foi o critério para a escolha dos dez nomes finais? Que medida foi utilizada para ranqueá-los? Que metodologia foi adotada para avaliá-los e legitimá-los como jurados da maior festa folclórica do Brasil? 

O edital é a lei do concurso 

O edital funciona como a lei de qualquer concurso público. Ou seja, tudo deve seguir rigorosamente o que está ali estabelecido. Qualquer alteração precisa ser formalmente registrada por meio de uma retificação e amplamente divulgada para garantir a transparência. 

No caso da seleção de jurados para o Festival de Parintins – que é um processo público –, a ausência de critérios objetivos, claros e acessíveis a todos cria um ambiente propício a especulações, desconfianças e boatos. 

Essa falta de transparência compromete diretamente a credibilidade do festival. Todas as etapas do processo de escolha dos jurados deveriam ser públicas e auditáveis. Aliás, o sorteio dos dez nomes finalistas para compor a banca julgadora deveria ser transmitido ao vivo, por canais como: TV aberta, YouTube ou pelas redes sociais. 

Nesse caso, para garantir o sigilo dos nomes e, ao mesmo tempo, assegurar a transparência, o sorteio poderia ser realizado com a identificação parcial dos jurados, utilizando apenas os três primeiros números e os dois dígitos finais do CPF – prática comum em concursos públicos de diversas universidades brasileiras. 

Com isso, os nomes estariam publicamente registrados de forma controlada, dispensando qualquer necessidade de vazamento, como o que ocorreu nas vésperas do Festival, conforme noticiado pela imprensa local. 

Considerações finais 

Não há dúvida de que o processo conduzido pela Prefeitura de Parintins é marcado por seriedade e isenção. Contudo, como diz a frase atribuída a Júlio César: “à mulher de Césarnão basta ser honesta, deve parecer honesta”. Ou seja, a aparência de integridade é tão importante quanto a integridade em si. Além disso, tudo que envolve a gestão pública deve seguir princípios constitucionais como publicidade, transparência e isonomia.

Em um festival que movimenta milhões de reais e mobiliza o esforço coletivo de centenas de artistas e profissionais, não pode haver qualquer margem para suspeição. Isso não condiz com a grandeza do evento. É preciso melhorar o processo de escolha dos jurados, amadurecer sua gestão e garantir que a beleza das apresentações não oculte as fragilidades dos bastidores.

*Sociólogo