Japoneses, agricultura e Amazônia: discussões para COP-30 

Juta e pimenta-do-reino adaptaram-se e se integraram à dinâmica produtiva dos caboclos-ribeirinhos da região, assim como imigrantes japoneses à sociedade brasileira

Japoneses, Agricultura e Amazônia: discussões para a COP-30 

Neuton Correa, Por Aldenor Ferreira* e Alfredo Homma**  

Publicado em: 28/12/2024 às 00:00 | Atualizado em: 28/12/2024 às 09:22

Passados 95 anos (1929) desde a chegada dos imigrantes japoneses à Amazônia, suas inovações e contribuições permanecem firmes. Elas se integram ao cotidiano das populações da região. Trata-se de um saldo positivo de uma epopeia humana, que teve esses sujeitos sociais como protagonistas. 

A introdução das lavouras de juta, de pimenta-do-reino, de mamão havaí, de melão, e o desenvolvimento de sistemas agroflorestais; as primeiras tentativas do plantio de espécies nativas como o cupuaçuzeiro, a castanheira e o açaizeiro; o plantio em escala comercial do maracujazeiro, da acerola e de hortaliças constituem a materialização desse saldo positivo. Esse tipo de agricultura marcou o início da era dos NPK, da irrigação, do uso de tratores e do plantio em renques, contrastando com a agricultura de “toco” ainda prevalecente na Amazônia. 

Tanto o cultivo de juta quanto o de pimenta-do-reino demonstraram a capacidade de trabalho dos agricultores da Amazônia. Estes rapidamente aprenderam a complexidade do cultivo dessas duas culturas exóticas. Primeiro, trabalhando como assalariados para os imigrantes japoneses. Depois, por sua conta. Também ficou evidenciado que esses sujeitos sociais não são avessos às inovações, desde que os produtos agrícolas tenham preço e mercado. 

Nesse sentido, o desenvolvimento das lavouras de juta e de pimenta-do-reino, fruto da imigração japonesa na Amazônia, é um exemplo de inovação tecnológica na agricultura da região, até então nunca praticada. Essas duas plantas exóticas, trazidas de possessões britânicas na Ásia – culturas imigrantes, portanto –, adaptaram-se e se integraram à dinâmica produtiva dos caboclos-ribeirinhos da região, assim como os próprios imigrantes japoneses à sociedade brasileira. Com isso, elas passaram a fazer parte da paisagem cultural amazônica. 

A introdução dessas culturas, portanto, representou o último modelo de desenvolvimento agrícola em uma época em que levar e trazer plantas de interesse econômico fazia parte da rotina do mercado capitalista mundial. Os ingleses levaram a seringueira para o Sudeste Asiático, o que culminou, mais tarde, no fim do ciclo da borracha na Amazônia. 

Assistencialismo ambiental

Isso contrasta com muitas propostas ambientais apresentadas para a Amazônia, como a venda de crédito de carbono e o pagamento de serviços ambientais para os pequenos produtores. Além de ninguém consumir carbono, corre-se o risco de bloqueio de áreas com forte controle externo, criando um novo tipo de assistencialismo ambiental, em vez de se defender a produção de algo concreto, que incorpore a redução do carbono nos produtos. 

Nesse sentido, seria mais razoável que os pequenos produtores da Amazônia, por meio de tecnologias adaptadas aos trópicos, produzissem frutas com menos carbono, peixes com menos carbono, e assim por diante. 

É importante ressaltar que o sucesso dos imigrantes japoneses na Amazônia e em outras regiões do país, bem como de outras correntes migratórias, ocorreu em uma época em que se trabalhava do nascer até o pôr do sol. Isso se devia à escassez de mão de obra e à ausência de legislação ambiental ou restrições fundiárias ao uso da terra. 

Com efeito, os tempos mudaram e, decorridas quase três décadas do século XXI, a pimenta-do-reino que era o símbolo da agricultura paraense e fruto direto do trabalho dos imigrantes japoneses, perdeu espaço, a partir de 2018, para a produção realizada no estado do Espírito Santo, que está produzindo o dobro do estado do Pará. Aliás, o estado capixaba também se tornou o maior produtor e exportador de mamão havaí, cuja gênese produtiva está no Pará. 

A produção de melão, de maracujá e de acerola deslocaram-se para o Nordeste, muito mais próximo dos mercados consumidores. A despeito da preocupação com a biopirataria externa, há uma movimentação interna de recursos genéticos (guaranazeiro, pupunheira, açaizeiro, cupuaçuzeiro, jambu, entre outros), que retira oportunidades de trabalho e renda dos agricultores paraenses e amazonenses. Claramente, o modelo agrícola japonês mostra sinais de esgotamento. Nesse sentido, faz-se necessário o desenvolvimento de novas e concretas propostas. 

No entanto, vale destacar a importância da perspicácia, do conhecimento científico e tecnológico, da dedicação ao trabalho e da vigilância contra o culto ao atraso, entre os principais. Devemos reconhecer que a nossa agricultura e pecuária é praticamente exótica (soja, bovinos, frangos, bubalinos, café, manga, banana, dendezeiro etc.) e que três plantas amazônicas se tornaram universais: o cacaueiro, a seringueira e a mandioca. 

Os superlativos  

Fala-se muito sobre bioeconomia e Agricultura 6.0 como solução para a Amazônia. Na prática, entretanto, o que prevalece são os discursos carregados de superlativos: o maior rio do mundo, a maior floresta tropical, a maior biodiversidade etc. Ou seja, o romantismo interpretativo, o olhar exótico e o hiperbolismo ainda permeiam as análises e propostas de desenvolvimento para a região. 

Todavia, isso pouco contribui para a obtenção de uma visão clara da realidade social, ambiental e econômica da Amazônia. Na verdade, isso produz e reproduz o que Bachelard (1996) definiu como conhecimentos mal estabelecidos. É preciso, portanto, romper com esses conhecimentos e partir para uma compreensão efetiva. 

A compreensão, conforme Ricoeur (1989), remonta à correlação de conceitos em um processo amplo e deve preceder a explicação. Muitos explicam a Amazônia, mas poucos, de fato, a compreendem. 

Compreender a Amazônia requer um exercício de imaginação sociológica, em que a ruptura com os conhecimentos mal estabelecidos postos seja a propulsora de novos modelos de desenvolvimento para a região. Modelos que considerem as singularidades e especificidades do bioma. Foi exatamente essa compreensão dos aspectos singulares e específicos da região que levou os imigrantes japoneses a obterem sucesso em seus empreendimentos agrícolas. A juta, a pimenta-do-reino e os SAFs são provas disso. 

Conclusão 

Em 2025, a Amazônia estará no centro do debate mundial com a realização, em Belém, da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30). Porém, há uma esfinge diante de nós, cujo enigma precisa ser decifrado. Esse enigma perpassa a questão do desenvolvimento da região. Como crescer sem destruir o bioma? Como resolver o paradoxo de uma região rica, mas com um povo pobre e miserável? Ou deciframos esse enigma ou seremos devorados sem piedade.

Os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) da região não são bons. O Pará e o Amazonas, os biocampeões do Brasil, possuem municípios com índices equivalentes aos de países da África Central. Sem agricultura, pecuária ou qualquer outra atividade produtiva forte nos municípios, as populações se deslocam cada vez mais para as cidades, onde o desemprego estrutural parece ter vindo para ficar.

Portanto, é necessário sair do discurso abstrato da bioeconomia, melhorar a Agricultura 1.0 e não se resignar ao opróbrio da miséria e da pobreza. À guisa de exemplo, é vexatório que a população do bioma mais rico do planeta, durante a fase aguda da covid-19 (2020 e 2021), não ter recursos para comprar um litro de óleo de cozinha ou um litro de álcool 70º. 

A COP 30 é, acima de tudo, uma reunião política. Nesse âmbito, se juntar as bancadas do Norte e do Nordeste – as regiões menos desenvolvidas do nosso país –, teremos a maior bancada de senadores (55,6%) e 42,10% de deputados federais. Todavia, infelizmente, com raras exceções, no movimento político, quando o tema é a Amazônia, ainda prevalece o culto ao atraso e a glamourização da pobreza, sem contar as práticas pouco republicanas de alguns parlamentares. 

A solução dos dilemas da Amazônia, ou melhor, a decifração de seu enigma, vai depender de pesados investimentos públicos e privados em educação, saúde pública, infraestrutura, saneamento, desenvolvimento de ciência e tecnologia endógenas, entre outras medidas. As populações amazônicas, definitivamente, não precisam de esmolas ambientais. 

A história pretérita da imigração japonesa na região, suas inovações e contribuições podem fornecer importantes pistas para a decifração do enigma posto diante das populações amazônicas. Esperamos que o cenário pós COP 30 não seja de arrependimentos.  

Os autores são sociólogo* e agrônomo**

Ilustração: Gilmal