Governador, a culpa não é das árvores! 

Elas não são vilãs, elas são aliadas.

Prefeito, a culpa não é das árvores!  Arte Gilmal

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 18/11/2023 às 00:56 | Atualizado em: 18/11/2023 às 09:25

Há duas semanas um temporal trouxe muitos transtornos aos paulistanos. O vento e a chuva, como acontece todos os anos na cidade, derrubaram árvores sobre a rede elétrica, deixando alguns pontos da capital às escuras.

De forma apressada, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, culpou as árvores pelo apagão na cidade. Estranho, mas, talvez, seja a saída mais fácil culpar aquelas que não falam nem podem se defender. A fala do governador trouxe à minha mente o seguinte questionamento: afinal, o problema do apagão na capital paulista foi mesmo culpa das árvores? 

Seres vivos

Em primeiro lugar, é preciso dizer que as árvores, assim como qualquer ser vivo, precisam de nutrição adequada e de diversos outros cuidados permanentes. Elas, por serem seres vivos, também vivem a dicotomia do processo saúde-doença. 

Ademais, árvores também não caem do nada. O que ocorre em São Paulo é que, dificilmente, há qualquer tipo de manutenção. Da mesma forma, não há preocupação com o desenvolvimento e com a saúde ao longo da vida delas. Para piorar, durante o percurso de sua existência, as árvores sofrem diversas podas inadequadas. 

Podas corretas

Contudo, isto é muito importante, podar árvores apenas não é sinônimo de cuidado. Muitas vezes estas podas são feitas sem nenhum critério técnico. O que ocorre com muita frequência é a fatal poda dos sistemas radiculares. Estes sistemas são os responsáveis pela ligação das árvores com o solo – sua real ancoragem – e pela absorção de água e nutrientes. 

A absorção de água e de nutrientes faz com que os sistemas radiculares se desenvolvam de maneira adequada. Dessa forma, há maior estabilidade para as árvores. Ocorre que, por conta da preocupação com o estufamento das calçadas, por plantios inadequados sem respeitar o “espaço-árvore” tampouco os berços de plantio, por ignorância dos critérios técnicos, as prefeituras promovem a equivocada poda de parte de seus sistemas radiculares.

A poda inadequada é um erro gravíssimo, pois o resultado desta ação não pode ser outro que não o caos. As árvores não se desenvolvem corretamente, ficam doentes, frágeis, permanentemente estressadas e suscetíveis a tombarem por qualquer vento que sopre um pouquinho mais forte. 

Arborização

Em segundo lugar, uma questão de extrema importância, que muitas vezes não se leva em conta, é o momento da arborização. Este processo é complexo e não pode ocorrer de forma improvisada. É preciso acompanhamento técnico de profissionais especializados. Não se pode ter como critério único apenas a estética ou a sombra que uma determinada árvore possa trazer. 

Um bom processo de arborização tem que levar em conta o tipo de árvore. Deve-se analisar a melhor espécie ao ambiente urbano, pois nem todas cabem a este ambiente. Ou seja, um ambiente composto por redes elétricas, de telefone, de Internet, estacionamentos, tubulações subterrâneas e, também, marcado por uma grande circulação de pessoas. 

Portanto, no início do processo de arborização, é preciso que sejam selecionadas mudas de qualidade, produzidas também com critérios adequados. Dependendo do local do projeto, é preciso selecionar mudas de árvores que não cresçam tanto, que não ramifiquem demais, que sejam de fácil manejo. Se forem frutíferas, os frutos não podem ser muito grandes, pois isso pode causar acidentes aos transeuntes e/ou veículos. 

Neste âmbito, mudas sem qualidade ou sem os devidos cuidados posteriores se tornam raquíticas, desidratadas e estressadas. Neste sentido, entendo que já passou da hora de deixar de subordinar as árvores às demais estruturas urbanas. Elas não são vilãs, elas são aliadas. Todavia, as árvores, de maneira geral, não são vistas como seres vivos, as árvores urbanas muito menos. 

Armadilhas

A proposta do governador de São Paulo de realizar o aterramento da rede elétrica como forma de solucionar o problema recorrente da queda de árvores na capital soa como algo moderno. Entretanto, esconde possíveis e perigosas armadilhas para as árvores e, consequentemente, para a população. 

Conforme explica o professor da UFScar Fernando Periotto, biólogo e doutor em Ecologia e Recursos Naturais, “o simples enterramento dos fios e dutos, hoje, em calçadas arborizadas, se conduzido de forma equivocada quanto à morfologia subterrânea que as árvores possuem, provocaria cortes de raízes e mais quedas de árvores”. 

“A estrutura de cabeamento subterrâneo precisa ser implantada junto com a arborização e levando-a em conta, com espaços separados e suficientemente adequados para ambas. Isto, sem dúvida, inclui as outras redes subterrâneas”, acrescenta o pesquisador.

Concluo, afirmando que o problema não está nas árvores. Não é culpa delas o caos que se instala todo verão na cidade de São Paulo e em tantas outras cidades brasileiras há décadas. As árvores são sempre bodes expiatórios. Elas viram desculpa perfeita para a incompetência e a falta de planejamento urbano negligenciado por péssimos gestores municipais. 

*Sociólogo