A fumaça que encanta
Walmir Barbosa analisa a força simbólica e espiritual do Conclave e da eleição do novo Papa, Leão XIV, destacando a fumaça branca como expressão do sagrado.

Diamantino Junior
Publicado em: 11/05/2025 às 08:43 | Atualizado em: 11/05/2025 às 08:43
Por Walmir de Albuquerque Barbosa*
“Ó, vinde Espírito Criador, as nossas almas visitai e enchei os nossos corações com os vossos dons celestiais./Vós sois chamado o Intercessor do Deus excelso o dom sem par, a fonte viva, o fogo, o amor, a unção divina e salutar…”.
Com esse canto ritual da Igreja Católica, em latim, denominado “Vini Creator Spiritus”, antes de fechar a porta do recinto, os cardeais evocam a divindade do Espírito Santo, que os iluminará no processo de escolha do novo Bispo de Roma, Chefe Espiritual da Igreja Católica Apostólica Romana e Monarca do Estado do Vaticano, com poderes espirituais e temporais sobre 1.400.000.000 (hum bilhão e quatrocentos milhões) de fiéis Católicos, espalhados pelo mundo.
Isso não é pouco! Não sou vaticanista nem tenho conhecimentos aprofundados sobre a Teologia mas, como cristão, reconheço e respeito a historicidade, a ritualística e os dogmas fundadores dessa instituição com mais de vinte séculos de existência e que ainda influencia decisões políticas dos povos de todos os continentes e que repercutem no cotidiano das pessoas.
Daí a razão e explicação para o que estamos assistindo a partir de Roma, a Sé do Catolicismo, desde a doença, a convalescença, a recaída na saúde e a morte do Sumo Pontífice Francisco, seus funerais e o luto (Sé Vacante), o Conclave e a Apresentação do Novo Papa.
Nos seus diversos momentos rituais, aprendemos muitas coisas. Tanto católicos quanto fiéis de outras religiões e, até mesmo, os agnósticos, passam a refletir sobre essas tensões espirituais que assaltam os humanos.
Os católicos buscam abrigo em suas crenças; os crentes de outras religiões, traçam paralelos, fazem comparações, estabelecem proximidades ou distanciamentos; porém, todos reconhecem nesses ritos, ricos em exterioridades, a profundidade, as subjetividades do espírito e a força da cultura.
E nesse particular é que busco mais apego. E aquela fumaça, expelida de uma chaminé fincada no telhado do Palácio Apostólico do Vaticano, pode ser um ponto de partida que nos levará além da curiosidade e da ansiedade da multidão presente na Praça da São Pedro, em Roma, e dos olhos de milhões de telespectadores e jornalistas, que não deixam escapar nenhum detalhe do ritual.
As visões de mundo atravessadas pela religiosidade e aquelas atravessadas por sua ausência consentida, recusada ou desconhecida, compõem parte significativa de nosso imaginário, tanto individual como coletivo, ao lado das ideologias, da ficção, da visão estruturada de uma época com seus feitos e acontecimentos e da racionalidade lógica das ciências buscando a significação dos fenômenos da natureza e das relações sociais.
Entretanto, as religiões nos enredam com o mundo subjetivo e espiritual e nos aproximam de uma fraternidade incomensurável.
A maneira de nos envolver revela a capacidade que têm os credos de construírem suas escrituras a partir dos mitos e criando rituais para guardá-los, reescrevê-los, reapresentá-los e revigorá-los perante a história construída pelos humanos nos seus processos de vida.
Grandes estudiosos do imaginário, de Gaston Bachelard, Gilbert Durand, Paul Ricoeur e Henry Corban, dentre outros, não se calam sobre a força do mito e dos ritos como porta-vozes das nossas ancestralidades renovadas, reinterpretadas e revividas. Nas religiões, viram doutrina; fora delas, ficção, teatro, poesia e outras artes.
A Capela Sistina, no Vaticano, com seu teto de Michelangelo e afrescos de vários outros artistas renascentistas e barrocos é a síntese de todo o nosso imaginário, passando pela criação dos humanos por Deus até chegar à maturidade da ciência pelo livre arbítrio.
Ali, também, diante de todos esses quadros e temerosos diante de um Juízo Final, na parede frontal da Capela, só o Espírito Santo na causa!
Os Cardeais eleitores estiveram diante de uma bricolagem de todas as forças celestiais existentes em praticamente todas as religiões, mesmo com nomes diferentes, que representam a fé influindo na construção da humanidade e no seu destino.
Enfim, a crença no Espírito Santo transformada em dogma é a responsável por um novo tempo. Portanto, através do ritual, se reescreve e se renova o mito.
Um Novo Papa não pode tudo, mas eleito com a legitimidade que o ritual lhe confere, é o portador de nova mensagem para o mundo, seja ela qual for: “Habemus Papam”!
Na fumaça branca, rarefeita ao vento, o Espírito Santo bate em revoada e deixa o ungido entregue ao seu rebanho, que o recebe, saúda e o acolhe com o seu novo nome: Leão XIV!
*O autor é jornalista.