Eu digo não à mineração no Amazonas

A vida do povo de Coari mudou pouco durante estes mais de 30 anos de atividade de exploração do petróleo e do gás de Urucu

Eu digo não à mineração no Amazonas

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 27/05/2023 às 02:00 | Atualizado em: 28/05/2023 às 12:45

Diante das acaloradas discussões, ocorridas na semana passada no estado do Amazonas acerca da exploração da silvinita, rocha da qual se extrai o potássio, escrevo hoje para reafirmar minha posição sobre este tema: para mim, o garimpo e outras formas de mineração são coisas do passado. 

A Amazônia, como descrita na música “Amazônia Santuário Esmeralda”, é templo de rios, florestas, lagos, cachoeiras, do encontro das águas, das cores da natureza… E esta magnífica descrição feita pelos parintinenses Demetrios Haidos e Geandro Pantoja, que resumo aqui, não combina com mineração.

O estado do Amazonas e a Amazônia como um todo possuem outros “ouros”, de igual forma, valiosíssimos como a silvinita. Há uma infinidade de outros recursos naturais como óleos, essências, resinas, corantes, plantas medicinais, peixes, frutas etc., recursos estes que não são devidamente explorados devido à ausência de pesquisas e de uma matriz tecnológica que permita a exploração em escala comercial de maneira sustentável e sustentada.  

Especificamente no Amazonas já ocorre mineração em algumas localidades, sendo a mais famosa a que é realizada na mina do Pitinga, no município de Presidente Figueiredo. Há mais de três décadas a cassiterita desta mina é exportada para o Brasil e para o mundo. Contudo, não é seguro dizer que a vida da população deste município melhorou. 

De acordo com o IBGE, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Presidente Figueiredo, o beneficiado direto com os royalties e impostos pagos pela Mineração Taboca, a dona da mina, é de 0,647 (médio). Para mim, este número é ruim. Diante do passivo ambiental inerente à atividade de mineração, cujas crateras no coração da floresta denunciam a agressão ao meio ambiente, o IDH deveria ser alto ou altíssimo. 

Outro caso bastante famoso no Amazonas é o da exploração de petróleo e gás natural realizada na bacia do rio Urucu, no município de Coari. Apesar de ter processos rigorosos de segurança, e ser considerada como exemplo de exploração limpa e sustentável, a vida do povo de Coari mudou pouco durante estes mais de 30 anos de atividade. 

Na verdade, os royalties pagos pela Petrobras ao município ajudaram a criar uma elite política corrupta, que se perpetua no poder há pelo menos 20 anos se utilizando de práticas nada republicanas para isto. O IDH de Coari, conforme o IBGE, é ainda pior que o de Presidente Figueiredo, estando na casa de 0,586 (baixo). 

Uma vergonha!

Neste âmbito, ao tomar conhecimento sobre os projetos de exploração da silvinita no Amazonas, a primeira frase que me veio à mente foi: “eu já vi esse filme”. Incrivelmente, os discursos dos agentes públicos e políticos são os mesmos. Trata-se da mesma cantilena do desenvolvimento da região, da geração de emprego e renda, da emancipação econômica das populações indígenas locais etc. 

Todavia, este tipo de atividade econômica, pelo menos no Amazonas, nunca desenvolveu de fato a região onde foi instalada, pelo contrário, trouxe morte às populações indígenas e sempre deixou um enorme passivo ambiental.

Neste sentido, é mais racional manter a Amazônia com seus santuários ecológicos e seus sublimes mananciais intactos. Não estou com isto defendendo a miséria e a pobreza da população interiorana amazonense. Não se trata de uma visão edênica da região, descolada da realidade e da necessidade material do nosso povo. 

Ademais, não sou contra o desenvolvimento, desde que ele traga liberdade e emancipação para as pessoas, conforme a perspectiva de Amartya Sen, pesquisador e economista conhecido por seu trabalho voltado para o bem-estar social e por indicar em suas obras o caminho para a redução das injustiças sociais e econômicas.

A exploração de minérios por si só não garante desenvolvimento algum, muito menos liberdade. Neste âmbito, pode-se dizer que os defensores da mineração no Amazonas, entre os quais está o deputado estadual Sinésio Campos, maior defensor da exploração da silvinita em nosso estado, ainda estão com a mentalidade dos bandeirantes dos séculos XVIII e XIX. 

Campos fala com orgulho da possibilidade de “criação de uma nova matriz econômica para o estado do Amazonas” a partir da exploração da silvinita. Ao que eu respondo: meu nobre deputado, pelo contrário, esta matriz é a mais antiga e atrasada que temos. 

Uma nova matriz econômica para o estado do Amazonas só poderá surgir se houver a preservação da floresta. É preciso defendê-la, mas, acima de tudo, é preciso compreendê-la para que se possa criar em nosso estado um modelo de desenvolvimento endógeno, não mimético, capaz de verdadeiramente trazer qualidade de vida para todos.

O maior entrave ao desenvolvimento do Amazonas é a sua matriz tecnológica, toda ela pensada e desenvolvida em outros países. Precisamos desenvolver nossa própria tecnologia, uma tecnologia amazônica, que seja capaz de dar conta de nossas singularidades e especificidades socioambientais. Sem isto, viveremos eternamente presos ao mimetismo e à ilusão de que a mineração traz desenvolvimento e prosperidade. Não traz! 

Infelizmente, no momento, a única coisa que a mineração traz é cratera e enxurrada de lama tóxica, como ocorreu nas cidades de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. Eu prefiro ver o meu estado como um santuário ecológico, um templo de rios, florestas, lagos, cachoeiras, conforme descrito pelos poetas parintinenses. Por isto, eu digo não à mineração no Amazonas.

*Sociólogo

Arte: Gilmal