Escolas, ambientes virtuais e humanidade

O ponto é que não consigo deixar de refletir sobre uma possível relação entre estes eventos e a suspensão da realidade palpável

Mariane Veiga, por Rafael Pelegrini

Publicado em: 13/04/2023 às 18:05 | Atualizado em: 13/04/2023 às 20:32

Considerando os terríveis acontecimentos que vêm ocorrendo em diversas escolas de nosso país, bem como o sentimento de preocupação para com a integridade de nossas crianças que tais eventos têm ensejado, resolvi escrever sobre um componente importante dessa trama. 

O ponto é que não consigo deixar de refletir sobre uma possível relação entre estes eventos e a suspensão da realidade palpável a qual nossa civilização experimenta, a cada dia, enquanto abraça desenfreadamente os ambientes virtuais.

E sem querer parecer o tiozão do “ah, mas no meu tempo não tinha isso”, nem demonizar a imersão digital da geração atual, penso que devemos problematizar o relacionamento precoce das nossas crianças/adolescentes com os ambientes virtuais.

Temos visto uma enormidade de juvenis que, embora dominem tudo o que se refere ao uso de mídias e redes “sociais”, não entendem o básico dos contratos e etiquetas sociais necessários para um convívio adequado com os seus semelhantes, por exemplo, dar um bom dia, dizer obrigado ou por favor etc. Tenho a impressão de que muitos são, inclusive, indiferentes à própria humanidade que os circunda.

É necessário, portanto, refletirmos sobre o quanto a imersão no mundo virtual altera a realidade a médio e longo prazo dos relacionamentos pessoais e materiais do indivíduo no mundo vivido, na realidade física concreta.

Nesse âmbito, diante de um quadro instável, transitório e intergeracional entre o mundo virtual e o mundo real, pergunto: não seria necessário, antes de tudo, criar um ambiente educacional adequado para que as crianças pudessem, primeiramente, dominar as regras de convivência humana e somente após isso iniciá-las no mundo digital/virtual?

A cada dia, isso é fato, está ocorrendo primeiro a iniciação ao ambiente virtual. E, pior, é dado ênfase a isso em detrimento de outros contatos sociais.

Com efeito, se as crianças não aprenderem a conviver e a respeitar primeiramente as pessoas, os seres humanos, semelhantes seus, como elas poderão desenvolver a noção e o sentimento se importar com outrem?

Concluo, afirmando que não é correto a satanização da tecnologia. Atribuir a ela a gênese do mal seria maniqueísmo barato. Todavia, é necessário que a pedagogia, os valores humanísticos e a ética não sejam suprimidas por ela. Dessa forma, poderemos ter uma juventude equilibrada, que maneja bem o mundo virtual, mas que é, acima de tudo, humana.

O autor é historiador.

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil