As previsões de Ernesto, um agricultor especialista em Amazônia

Ernesto Ferreira, agricultor na RDS Uatumã, compartilha suas preocupações sobre as mudanças climáticas, ressaltando a destruição ambiental e a necessidade de ações imediatas.

Diamantino Junior, por Dassuem Nogueira*

Publicado em: 15/10/2024 às 16:05 | Atualizado em: 16/10/2024 às 05:46

Aqueles que realmente conhecem a Amazônia são os seus moradores, a gente da floresta. Foi com eles que os cientistas de todos os campos e todos os tempos aprenderam a entrar na mata, a observá-la, a comportar-se.

Gente que vive na floresta não a conhece apenas porque precisa dela para viver.

Conhece pois se relaciona com ela, é sua vida, é o lugar ao qual pertencem. E não o contrário.

Ao visitar a reserva de desenvolvimento sustentável do rio Uatumã (RDS Uatumã), conheci Ernesto Ferreira de Souza, 49 anos, agricultor.

Seu modo de ver a Amazônia e o mundo é de uma lucidez impressionante e aterradora.

E se junta a previsões de outros viventes de florestas, como Ailton Krenak e David Kopenawa, e a de cientistas e ativistas climáticos que compreendem que já adentramos em um caminho sem volta e que nos resta agora aprender a viver em um novo planeta, inóspito para nós e muitas outras espécies.

 O fim da aventura humana na Terra

Ernesto vive com a floresta do Uatumã. Por isso, ele e os demais são os primeiros a presenciar os impactos das mudanças climáticas.

“O que eu vejo da mudança climática e do impacto ambiental é que a cada dia está super-aquecendo o planeta. Aqui, a gente também tem sentido no inverno, mas no verão é intenso. Os cientistas fizeram uma previsão de que a gente tem mais ou menos vinte anos para sobreviver na Terra, mas se a gente não cuidar do que tem hoje, acho que não chega a dez anos. Vai chegar a uma situação em que o sol vai esquentar tanto, o pessoal vai cair assim, do nada, e vai morrer porque está muito alterada a temperatura, até mesmo aqui dentro na reserva”.

 Ouvidos mocos

Ernesto estava consternado com a apatia das pessoas em relação ao momento que vivemos:

“O que está acontecendo não é um fenômeno, já foi estudado que isso iria acontecer, isso daí não é surpresa para ninguém. Só que muitas pessoas ainda não acreditam, porque não vivem a nossa realidade. A nossa realidade é totalmente diferente do que as pessoas imaginam. Hoje, o jornal dá informações da mudança de clima, só que as pessoas não querem saber de certas coisas, não querem tocar nesse assunto.  Quando estão no trabalho, elas trocam outra ideia, não param para ver no noticiário o que está acontecendo. A Terra está pegando fogo por conta disso aí. Mas, as pessoas não estão se deparando com a dimensão da catástrofe que está acontecendo”.

Ele faz uma análise semelhante ao que o pensador alemão Günther Anders chama de supraliminar.

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Ao contrário do conceito de subliminar, que denomina mensagens nas entrelinhas do que está explícito, o supraliminar é algo grande demais para ser absorvido pela cognição humana.

Desse modo, não é que as pessoas nas cidades amazônicas não percebam o calor, a fumaça das queimadas, a seca ou a cheia prolongada, a falta do açaí, tucumã e banana no mercado.

 É que a mensagem de que o planeta, como nós o conhecemos, está chegando ao fim é algo grandioso demais.

 A semana do fogo

Quando conversei com Ernesto, iniciava-se a “semana do fogo”, aquela de 9 a 13 de setembro.

Todos os jornais exibiam imagens de satélite que identificavam os focos de queimadas em todas as regiões do país.

“Hoje eu vi uma foto de satélite que parecia que o Brasil inteiro estava pegando fogo, vários pontinhos de fogo no nordeste, centro-oeste, sul, uma coisa sinistra. As pessoas não estão entendendo, não estão ligando para o que está acontecendo, ainda estão é incentivando a queimar a margem, a tirar mais madeira, derrubar mais”.

“É uma coisa triste a gente saber que está acontecendo essa mudança climática. Esse descontrole da natureza, a gente sabe como remediar, só que a gente não tem poder, não tem recursos para isso. É muito triste a gente saber que está morrendo à mingua e que tem recurso para evitar esse caos. A atenção deles está em queimar, queimar e queimar e o fogo vai embora, não vão conseguir parar isso aí. E isso não é só no Brasil, ocorre em outras áreas que já tiveram floresta, o cerrado está se queimando. E se queima do nada, o sol esquenta tão quente em certos lugares que se cria um fogo do nada e vai queimando. Eu não sei até quanto tempo a gente vai conseguir sobreviver na Terra”.

 Missão-tarefa

Na visão de Ernesto, há duas tarefas urgentes para a humanidade.

A primeira é a valorização dos que convivem com a floresta. Para ele, os governos deveriam melhorar a vida dos seus moradores, pois são eles que vivem na área e que mantém a floresta em pé.

“Não era mais para ter esses focos de incêndio. O governo, as instituições, têm que cair na real que tem que investir no agricultor. Ouço falar que o governo investiu tantos milhões na agricultura e tal, mas a gente não vê essas coisas chegarem para nós. Não sei se vai chegar amanhã, até hoje não chegou. Era para o governo ter feito um investimento nos agricultores, perguntasse: ‘O que tu precisas para não queimar mais? Tá aqui ó, pega!’. E tinha que ter as leis também. [Diria o governo]: ‘Eu estou te pagando para tu não queimar. Mas, se eu te pegar queimando, tu não vais mais ter mais liberdade, tu vais ser recolhido para viver em um quadradinho lá para você aprender a ser honesto contigo e com Deus’”.

A segunda tarefa seria uma postura radical em relação a preservação:

“Aqui na reserva as pessoas falam muito de preservação. Mas, eu fico na dúvida até em relação ao governo porque um dia desses, assinaram um documento autorizando a retirada de quatro mil árvores gigantes do plano de manejo para derrubar – ainda estão em pé. Em 2006, eu plantei umas árvores. Hoje, elas têm uns 40 centímetros de diâmetro. Isso porque passaram-se nove anos. Já essas árvores do manejo são centenárias. Aí eu me pergunto: será que vai fazer muita diferença para o clima se tirar essas quatro mil árvores ou não? Por mim, eu preservaria essas árvores porque, na verdade, não há necessidade [de derrubá-las].”

“Há necessidade de a gente plantar mais e preservar o que tem. Não adianta retirar essas árvores, falar que é legal e depois não conseguir sobreviver com o que ficar. A gente pode até sobreviver, mas vai ser a um custo muito alto, vamos pagar com a vida. Aí eles dizem: ‘Ah não, é porque precisa tirar para fazer renda para a comunidade, para os moradores’. O dinheiro ficando ou não para nós, isso aí vai causar um impacto de oxigenação para a humanidade. O satélite tira uma foto de cima, a área está verde. Mas, você chega lá e não tem floresta, é só um matinho rasteiro, não é uma floresta que consegue armazenar carbono. Ela está viva, mas não gera o necessário para o que a gente precisa. As pessoas têm que cair na real que a gente tem que cuidar do que tem e aumentar mais um pouco, não diminuir”.

Foto: Dassuem Nogueira/especial para o BNC Amazonas