Em Roraima, deu-se a lógica
"Sendo o estado mais bolsonarista do Brasil, é natural que o local tenha sediado o genocídio desses povos", escreve Aldenor Ferreira

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 04/02/2023 às 00:01 | Atualizado em: 03/02/2023 às 22:42
O Estado de Roraima é o mais bolsonarista do Brasil. No último pleito presidencial, o capitão terrorista obteve 76,08% dos votos válidos por lá. Com isso, o estado superou concorrentes fortes como Acre, Paraná e Santa Catarina, que também são redutos da extrema direita nacional.
Todavia, é importante que se diga que esse amplo apoio dado a Bolsonaro vem acompanhado de uma verdade inconveniente, afinal, bolsonarismo é sinônimo de crime. Nesse sentido, em Roraima, deu-se à lógica. Sendo o estado mais bolsonarista do Brasil, é natural que o local, que um dia foi totalmente território indígena – assim como nosso país como um todo –, tenha sediado o genocídio desses povos.
As perseguições, as invasões de terras e os assassinatos praticados contra os povos indígenas no estado são antigos e recorrentes. Atualmente, as vítimas diretas são os ianomamis, mas todas as outras etnias, em um dado momento, já sofreram algum tipo de perseguição.
No geral, as autoridades de Roraima odeiam as populações indígenas, salvo, claro, as doces e raras exceções.
Lembro-me que em 2005 ocorreu a demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, localizada na região nordeste do estado. Foi um momento histórico para as etnias que ali habitam, notadamente os Wapichanas, os Patamonas, os Makuxis, os Taurepangs e os Ingarikós.
Todavia, quando pareceria que essas populações finalmente estariam livres para viver do seu modo naquelas terras, o senador por Roraima Augusto Affonso Botelho Neto acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma petição contrária à demarcação. É o julgamento dessa petição que tornou famoso o caso, com o STF decidindo pela demarcação contínua da Terra Indígena (TI) em 2008/2009.
É importante ser lembrado também que não se tratava de um caso polêmico, complexo e de grande repercussão. Com efeito, foram os interesses do Governo de Roraima e, fundamentalmente, dos arrozeiros que ocupavam aquelas terras de forma ilegal, que tornou o caso um sucesso midiático, com o STF cumprindo a Constituição Federal e dando uma vitória histórica paras as etnias que habitam a Raposa.
Caro(a) leitor(a), não é impressionante que o acionamento do STF tenha sido feito por um senador da República? Caso a decisão do tribunal tivesse sido a favor dessa petição, o direito ancestral dos indígenas da Raposa de viverem em paz naquelas terras teria desaparecido.
Nesse âmbito, não é de se estranhar que o atual governador de Roraima, um bolsonarista de carteirinha, se comporte de maneira no mínimo inerte diante do genocídio ianomami. Assim como não causa surpresa que o próprio presidente da República e seu staff também tenha agido de maneira igual.
No caso do capitão terrorista, ele mesmo visitou a área do garimpo ilegal nas terras ianomamis e, segundo dados do cartão corporativo, revelados pelo decreto presidencial que acabou com o seu sigilo, pagou almoço para muita gente no dia de sua visita à capital Boa Vista. Muito provavelmente, nenhum indígena foi beneficiado com o rega-bofe gratuito.
É importante dizer que Roraima, em termos proporcionais, é o estado com maior população indígena do país. De acordo com dados da FUNAI de 2018, há por lá pelo menos onze etnias: Makuxí, Wapixana, Jaricuna, Taulipáng, Ingarikó, Waimiri Atroari, Mawayána, Yanomámi, Wai-Wai, Karafawyana e Katuena.
Com efeito, para 76,08% da população daquele estado, isso pouco importa. Todos esses eleitores sabiam do pensamento de Bolsonaro relacionado ao garimpo e aos povos indígenas. Ele nunca escondeu a sua posição de ninguém sobre essa temática e ainda assim o apoiaram de forma massiva. É por isso que reafirmo: diante do genocídio Yanomami, deu-se a lógica em Roraima.
Em um estado tipicamente bolsonarista, um desfecho favorável aos ianomamis seria ontologicamente impossível, afinal, ser bolsonarista é ser defensor da morte, do etnocídio, do epistemicídio e do genocídio de qualquer etnia, não importando a região do país.