Aos 81 anos, Félix Valois é protesto e candidato a vereador
Político do passado ressurge, talvez, como um sopro contra o estado de falta de vergonha a que se encontram vereadores da Câmara Municipal de Manaus.

Neuton Corrêa, da Redação do BNC Amazonas
Publicado em: 08/05/2024 às 21:04 | Atualizado em: 08/05/2024 às 21:26
Um parlamento com vereador que discursa se dizendo com vergonha de pornografia no show de Madonna, enquanto sua capital é a mais violenta do país, metade da sua população vive na pobreza e os problemas se multiplicam na poluição de igarapés e outros mananciais, no trânsito caótico e na falta de esgoto, e por aí vai, é sinal mais do que claro que agoniza e deve ser revigorado, com novo gás.
Além da inutilidade do discurso, esse vereador não deu ao trabalho de dar uma passada de olho no histórico da cantora norte-americana. Se tivesse feito isso, hoje não se escandalizaria com a pornografia porque no passado a artista já chocou muito mais.
Ele é apenas um dos exemplos do quanto a Câmara Municipal de Manaus deve sofrer alto índice de renovação nesta eleição. O eleitor deve considerar que a atual legislatura, com honrosas exceções, pouco produziu em prol do cidadão e da cidade. A quase totalidade de projetos e obras é da lavra da equipe da prefeitura.
É nesse vácuo de ideias e decadência de discursos úteis, alvissareiros (já nem se cobra a velha e boa oratória), que ressurge um político do passado.
Ele vem como um sopro de esperança para resgate do parlamento e contra o estado de falta de vergonha a que se encontram certos vereadores de Manaus.
Esse sopro é o advogado Félix Valois, ex-deputado estadual (1983-1986), ex-vice-prefeito de Manaus (1988-1992).
Aos 81 anos, o ex-comunista do PCB agora é filiado ao PT para disputar uma vaga de vereador.
Em si, o fato tem apelo jornalístico. E poderia até vir a ser notícia com os clichês que surgem da toada de boi-bumbá de Chico da Silva, como “o velho comunista se aliançou”, ou “o velho comunista se rende ao PT”.
Ou, então, o fato poderia virar notícia pelo ineditismo, pela curiosidade, que sempre atrai boa audiência: “Cidadão de 81 anos vai tentar ser vereador de Manaus”, “Candidato mais velho a vereador nas eleições de Manaus tem 81 anos”.
Contudo, a candidatura de Valois ao cargo não deve perder a profundidade de sua simbologia.
Voz de protesto do cidadão
O veterano político, diante dessa realidade do parlamento municipal, pode muito bem ser a manifestação de uma inquietação, do grito de protesto de muitos manauenses que não se veem representados pelos atuais representantes da cidade no Legislativo.
Muitos vereadores fazem o que fazem ou deixam de fazer pela omissão. Outros, por ação mesmo, pelos debates, projetos, temas e discursos pobres de conteúdo e sentido que levam à tribuna.
É lógico que os vereadores, pelo papel constitucional que lhes é de responsabilidade, precisam colocar Manaus alinhada com temas mais amplos da agenda nacional.
Mas, necessariamente, a escolha desses temas devem ter relação com a cidade.
Por exemplo, ao invés da preocupação do que se passou no show da Madonna, as chuvas que levaram calamidade aos brasileiros do Rio Grande do Sul é um assunto da pauta do dia do país como um todo, portanto, tem muito a ver com Manaus.
Ou os nobres vereadores esquecem que a capital do Amazonas sofre também as consequências da crise climática, como foi no ano passado?
Sem contar que até hoje não se viu uma ação solidária, individual ou institucional, que tenha partido dos vereadores de Manaus em favor dos irmãos gaúchos.
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Peso do passado cobra
Dessa forma, a casa legislativa destes tempos não honra a memória de figuras da estampa de Fábio Lucena, de Jefferson Peres, nem de igualmente expressivos mais recentes na história, como Vanessa Grazziotin, Aloysio Nogueira, Serafim Corrêa, Omar Aziz.
Não é à toa que a Câmara de Manaus catapultou todos eles para os cargos políticos mais importantes do Amazonas, de deputado a governador.
O que provavelmente não vai acontecer com mais de 90% da atual legislatura municipal. Ao contrário, a casa torna-se um amante dormindo de costas para aquela que deveria ser sua amada, a cidade.
Por todas essas, e outras considerações, é que a volta de Félix Valois é a irresignação, mas, também, a manifestação de cidadão que se oferece para ajudar o lugar onde vive.
Ilustração: Gilmal