É preciso refundar as Forças Armadas
"Poucos exércitos do mundo ao longo de suas histórias mataram tantos compatriotas em seu próprio território como o nosso"

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 21/01/2023 às 04:40 | Atualizado em: 21/01/2023 às 04:52
No texto A república da crise e do golpe (30/05/2021), elaborei uma cronologia da atuação das Forças Armadas no Brasil no período republicano. A intenção era relembrar a história de golpes e contragolpes, autoritarismo e repressão que sempre fizeram parte do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
Decorridos quase dois anos da publicação, tudo continua exatamente igual no que tange ao tema das Forças Armadas. Eles continuam conspirando, colaborando e atentando contra o Estado Democrático de Direito. A história das Forças Armadas, principalmente a do Exército, é uma história de golpes. Uma rápida investigação na historiografia sobre o tema revela isso.
Custo bilionário
Para um republicano e democrata, como eu, é dolorosa a constatação de que as Forças Armadas brasileiras são golpistas e inúteis ao país. Trata-se de uma pedra de moinho presa ao pescoço dos brasileiros. Um custo alto para a sociedade nacional. Na verdade, um custo bilionário: 122 bilhões em 2022, para ser mais preciso, sendo que a maior parte desse valor é gasto apenas com pessoal.
Esse recurso bilionário é usado para o pagamento de altíssimos salários e previdência, contando com regime próprio. Esse regime está fora do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), ou seja, segue uma regulação diferente da que se volta a servidores federais e demais trabalhadores brasileiros.
Esse grande montante também é usado no pagamento de privilégios, como pensões vitalícias a filhas solteiras dos militares, no financiamento da formação de oficiais pelas Academias Militares, bem como na manutenção de quarteis, equipamentos etc.
Diante desse orçamento, certamente maior do que o de muitos países, cabe uma indagação: esse gasto bilionário serve para que? Nada! Ou melhor dizendo, serve apenas para a criação e a perpetuação de uma casta abastada e cheia de privilégios que, para piorar o que já é ruim, comunga de ideais e valores anacrônicos que, no limite, fomentam golpes de Estado de forma recorrente e impedem a consolidação da democracia em nosso país.
História das forças
A história das Forças Armadas brasileiras é uma história autoritária, antidemocrática e antipovo. Poucos exércitos do mundo ao longo de suas histórias mataram tantos compatriotas em seu próprio território como o nosso. Parece que por essas terras, invadidas por Cabral, o inimigo número um das Forças Armadas é o próprio povo.
Talvez essa ira contra os nacionais seja por falta de inimigos externos, visto que não os temos. Ainda no tempo do Império tivemos a Guerra do Paraguai, mas, de lá para cá, qual outro país ameaçou invadir o nosso território? Lembrando-nos de que o Brasil é um país cuja política e as relações internacionais sempre primaram por saídas diplomáticas de qualquer conflito.
É importante esclarecer, a esse respeito, que eu não defendo o fim das Forças Armadas. Esse não é o caminho. Mas é necessária sua redução, bem como mudanças na forma de ingresso, nas promoções e nas aposentadorias. Afinal, todos são iguais perante a lei, como reza a Constituição Federal. Contudo, o regime de previdência dos militares não só os diferencia diante da lei, como também é um escárnio em um país com mais de cem milhões de pessoas vivendo em insegurança alimentar.
Exército ultrapassado
Outra questão muito importante são as mudanças que o avanço da globalização e das tecnologias da comunicação trouxeram para o mundo. Vivemos na era da informática, da inteligência artificial e das guerras cibernéticas. Logo, um exército poderoso, hoje, não é necessariamente aquele com maior volume de soldados, mas, sim, aquele com maior aparato técnico-científico-informacional.
Na contramão desse processo, as Forças Armadas brasileiras estão totalmente defasadas tecnologicamente. E, o mais grave, continuam com a mentalidade golpista e autoritária do século XX. A Doutrina da Segurança Nacional (DSN), por exemplo, influência direta dos Estados Unidos e uma reação aos tempos da Guerra Fria, continua ecoando forte pelas Academias Militares. No que tange aos princípios e valores democráticos e republicanos, assim como aos direitos humanos, a formação dos oficiais é muito ruim.
A sociedade brasileira, nisto insisto, não pode mais conviver com tamanho anacronismo e despropósito.
As Forças Armadas, todos sabem disso, devem existir para proteger o seu povo e o seu território, jamais para massacrar seus compatriotas, muito menos para ajudar a derrubar governos eleitos democraticamente em processos eleitorais transparentes e seguros.
Papel constitucional
Não há uma linha sequer na Constituição Federal que indique as Forças Armadas como poder da República, muito menos como instituição avalizadora e fiscalizadora das eleições. O Brasil tem instituição própria para isso. À Justiça Eleitoral, somente a ela, cabe o papel de cuidar de eleições no país.
É preciso, portanto, refundar as Forças Armadas, punir severamente os atuais golpistas, elaborar um Plano Nacional de Defesa e, como dito, reduzir o efetivo das três forças, mudando o currículo das Academias Militares, as formas de ingresso e promoção, bem como de punição interna e de aposentadoria.
O Brasil não merece conviver com tamanha inutilidade e golpismo!