É preciso reformar o Estado brasileiro (parte final)
Para Aldenor Ferreira, a atual forma como ministros do STF são escolhidos e mantidos nos cargos é um "atraso civilizacional"

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 24/09/2022 às 09:55 | Atualizado em: 24/09/2022 às 09:57
Escrevo hoje sobre a terceira reforma que precisa ocorrer no Estado brasileiro, tal qual as outras indicadas nesta coluna. Trata-se de mais uma mudança fundamental, já que, sem ela, nisto sigo insistindo, a república e a democracia brasileira permanecerão frágeis.
A mudança deve ocorrer tanto na forma como são escolhidos os(as) ministros(as) do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto no tempo que permanecem em seus cargos. Parto do princípio de que em uma república democrática não deve haver nenhuma forma vitalícia de ocupação de cargos nem algo que se pareça com isso.
É certo que os(as) ministros(as) do STF passam pelo processo de aposentadoria compulsória aos 75 anos, fato que contraria uma definição ipsis litteris de condição vitalícia para o cargo. Porém, o tempo que um(a) ministro(a) pode atuar como tal se assemelha bastante a tal condição.
O STF, nossa Suprema Corte, é importantíssima para o país, aliás, não somente para nós – uma Corte Suprema é fundamental para qualquer nação democrática. No Brasil, o Art. 102 da Constituição Federal (CF) define o STF como seu guardião, cabendo a ele garantir a autoridade da carta magna em todo o território nacional. Aprouve à constituinte que ao STF coubesse dar a última palavra em matéria de interpretação dos princípios e das regras estabelecidos no texto da CF.
Como é do conhecimento de muitos, o STF é composto por 11 ministros, escolhidos pelo presidente da República entre cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos, que possuam notável saber jurídico e reputação ilibada. Conforme exposto no texto da semana passada, a escolha dos nomes é submetida a uma sabatina feita pelo Senado, na qual os candidatos devem ser aprovados por maioria absoluta para, então, serem nomeados.
Caso não haja nenhum tipo de crime de responsabilidade que leve um(a) ministro(a) a um processo de impeachment, o mandato só termina, como mencionado, com a aposentadoria compulsória aos 75 anos de idade. É neste ponto que advogo a mudança, visto que, alguém que entra para essa Corte com 35 anos de idade poderá permanecer no cargo por longos 40 anos.
É tempo demais. Em quatro décadas ele(a) terá visto dez eleições presidenciais e isso, do meu ponto de vista, não combina com o espírito democrático de alternância de poder.
Ademais, sabemos, o que foi reforçado pelas últimas indicações ao STF, que os princípios constitucionais de notório saber jurídico e de reputação ilibada não têm sido muito observados nas escolhas dos ministros dessa corte. Sabemos também que o Senado não tem cumprido, de fato, seu papel constitucional ao fazer a sabatina dos indicados ao cargo pelo presidente da República.
A seleção dos nomes para a suprema corte tem se dado com cartas marcadas e a sabatina do Senado tem sido proforma. Na prática, ao final do processo de escolha, se tornará ministro do STF aquele que tiver maior capacidade de articulação política do que o tal notório saber jurídico e a reputação ilibada. Não é possível admitirmos isso em uma república democrática.
Entendo que a escolha dos(as) ministros(as) do STF, assim como indiquei no primeiro texto desta série em relação à escolha do procurador geral, deveria ocorrer por meio de um conselho, sendo o mais indicado o Conselho da República. Após isso, o nome poderia ir para a sabatina do Senado.
Todavia, mais do que uma mudança na forma de escolha, é necessário mudar também o tempo de permanência do(a) ministro(a) no cargo. A entrada no STF não se dá em termos de concurso público para provimento de cargo efetivo, logo, à semelhança do legislativo e do executivo, seria necessário um mandato também. Nesse sentido, dada a natureza e a complexidade do cargo, esse mandato poderia ser de dez anos, por exemplo.
Além disso, uma coisa é certa, o STF tem legislado nos últimos tempos em vez de apenas aplicar a lei, sendo os ministros quase deuses intocáveis, o que não deve ocorrer em uma república. Não pode haver homens e mulheres com poderes imperiais e divinos em qualquer esfera do governo. Essa situação traduz-se, na verdade, em um atraso civilizacional.
Com isso, concluo que é preciso reformar o Estado brasileiro também no quesito de escolha de ministros(as) do STF. Afinal, a República deve ser democrática, assentada nos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, conforme o Art. 37 da CF.
Portanto, sem a observância desses princípios constitucionais, em qualquer esfera, ter-se-á apenas um povo habitando um determinado território, mas, jamais, uma nação democrática e republicana de fato.