É preciso desmilicianizar o Estado brasileiro
"No âmbito da política, saiu de cena um comportamento relativamente pacífico, entrando, em seu lugar, um comportamento violento e, pior, armamentista".

Neuton Correa, por Aldenor Ferreira*
Publicado em: 17/12/2022 às 01:00 | Atualizado em: 17/12/2022 às 09:19
À medida que a equipe de transição vai adentrando nas camadas mais profundas do governo Bolsonaro, fica cada vez mais evidente que o capitão destruiu o Brasil – em todos os sentidos. Não se trata apenas do desmoronamento de setores, como o da economia e o da educação. Mas, sim, da destruição do Estado brasileiro como um todo.
Durante o governo Bolsonaro, nenhum segmento e nenhuma instituição brasileira passou ilesa ante a sua maléfica gestão. Ele fomentou a insubordinação, quebrou cadeias de comando, quebrou o decoro, enfim, desmoralizou a instituição Presidência da República. Com efeito, ao agir assim, ele milicianizou o Estado brasileiro, destruindo um de seus principais pilares: a institucionalidade.
Todavia, é a institucionalidade, a burocracia, tomada aqui no sentido weberiano, que racionaliza o Estado. Não custa lembrar que, de acordo com Max Weber, citado por Carlos Eduardo Sell, a burocracia moderna “rege o princípio de áreas de jurisdição fixas e oficiais, ordenadas de acordo com regulamentos, ou seja, por leis ou por normas administrativas”.
Ainda, conforme o autor, os “princípios da hierarquia dos postos e níveis de autoridades significam um sistema firmemente ordenado de mando e subordinação, no qual há uma supervisão dos postos inferiores pelos superiores”. Outros exemplos conceituais em Weber poderiam ser citados, mas o que importa é dizer que a institucionalidade é o pilar central da racionalidade e da organicidade do Estado.
Nesse âmbito, o futuro ministro da Justiça, senador eleito Flávio Dino, acerta precisamente quando diz que é necessário restaurar a institucionalidade no Brasil. De fato, sem isso, não há Estado devidamente organizado, burocratizado, hierarquizado e, certamente, institucionalizado.
É impossível a qualquer nação que queira ampliar e consolidar a sua democracia, promover o seu desenvolvimento econômico com inclusão social sem um Estado devidamente organizado, com uma cadeia de comando legitimada e respeitada por todos. Nesse sentido, o senador tem total razão quando menciona a necessidade do resgate da institucionalidade. De fato, essa é uma condição sine qua non para o êxito do novo governo e para a restauração do Estado brasileiro.
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Hora de resgate
Nesse sentido, faz-se necessário o resgate das prerrogativas constitucionais de cada poder da República, de cada instituição, de cada órgão, para que se cumpra a lei. Afinal, é ela que está acima de tudo e de todos, junto à Constituição, aos Códigos e às demais normas infralegais. Tudo isso foi destruído por Bolsonaro e por sua política antidemocrática e antinacional.
Com efeito, ao menos no meu entendimento, de todas as heranças malditas do governo Bolsonaro, o terrorismo será a pior de todas, visto que é um trágico legado deixado ao país – e sua reprodução já começou! Os episódios ocorridos no dia 12 de dezembro, em Brasília, comprovam essa afirmação. Certamente, o episódio de Brasília não foi aleatório, fruto da motivação pessoal de seguidores fanáticos do atual presidente, mas, sim, de acurado planejamento e financiamento.
Ademais, durante quatro anos Bolsonaro fomentou, por meio de discursos e ações práticas, mudanças culturais e comportamentais em parte relevante da sociedade brasileira. No âmbito da política, saiu de cena um comportamento relativamente pacífico, entrando, em seu lugar, um comportamento violento e, pior, armamentista.
Há muita gente armada em nosso país atualmente, todos com amplo potencial para atos terroristas e de sabotagens contra o futuro governo. Será preciso, portanto, um esforço gigantesco de investigação e punição de seus financiadores e executores.
Ainda, como dito, será necessária a retomada da institucionalidade, do poder de mando, das hierarquias e da legitimidade dos poderes constituídos, para que se possa combater duramente as dezenas de células terroristas bolsonaristas que já estão atuando no país. O Bolsonaro quase passou, mas o bolsonarismo está longe disso.
É por esse motivo que pontuo que será preciso desmilicianizar o Estado brasileiro, suas instituições, seus órgãos e, também, uma parte considerável da sociedade, estabelecendo novamente a cultura da legalidade, da institucionalidade e do cumprimento da lei em nosso país.
O lado esperançoso disso é que tudo pode ser feito rigorosamente dentro da lei, graças à Constituição e a todo o ordenamento jurídico que já possuímos. É só aplicar a lei. Que seja aplicada, então!
*O autor é sociólogo
Foto: BNC Amazonas