Diário de uma quarentena | 40º dia, 29 de abril – Sonhos perturbadores

"Você perde o domínio sobre os seus pensamentos e fica sonhando um monte de leseira"

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*

Publicado em: 29/04/2020 às 19:43 | Atualizado em: 30/04/2020 às 18:45

Hoje é quarta-feira. São 17h.

Faz 42 dias que o governo do Amazonas publica os números do novo coronavírus (Covid-19) no Estado. Do primeiro caso, 13 de março, para cá, são 47 dias.

Nesse período, hoje é o pior de todos em número de novos casos da doença. O Estado tem agora 4.801 pessoas contaminadas. Foram 464 registros em 24 horas. O recorde anterior, do dia 25, era de 441 registros.

O número de óbitos/dia foi de 29 perdas, dois a menos do que ontem.

Agora o Estado já conta 380 mortes pela doença.

Protestos

Profissionais de saúde, neste momento, fazem protesto. Eles são as principais vítimas da doença em Manaus e reclamam da falta de equipamentos de proteção.

Na mídia nacional, o governador anunciou que vai endurecer medidas de isolamento social. Disse que vai multar lojas e colocar a polícia nas ruas contra aglomerações.

Ele também se queixou do que chamou de “pouquíssima” ajuda que o Amazonas tem recebido do governo federal.

 

E daí?

Na contagem nacional da doença, o Brasil saltou de ontem para hoje de 71.886 casos para 78.162. Desse total, 6.276 novos casos foram registrados nas últimas 24 horas.

O número de mortos pela Covid-19 foi de 449.

Na política, o dia foi de repercussão do que declarou na noite passada o presidente da República.

Perguntado sobre os 5 mil mortos, ele respondeu:

“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?. Sou Messias, mas não faço milagre”.

Desde o começo da pandemia no Brasil, Jair Messias Bolsonaro se mostra indiferente ao coronavírus e evita cuidar do assunto.

Sua preocupação continua sendo a economia.

 

Inveja dos vizinhos

Nos países vizinhos do Brasil, os números são bem diferentes do que acontece aqui.

O Equador, que já virou notícia mundial, registrou 24.258 casos e 871 mortes.

A Argentina adotou medidas duras de isolamento social. Até aqui, registrou 4.127 casos e 207 mortes.

O Chile também seguiu as recomendações da ciência. Resultado: tem 14.884 casos e 216 mortes.

A Colômbia tem 5.949 casos e 269 óbitos.

E o que dizer de Paraguai e Uruguai?

O Uruguai conta apenas 625 casos da doença e 15 mortes e o Paraguai 239 casos e 9 mortes.

O presidente daqui talvez se pergunte, ao olhar esses dados: E daí?

 

Sonhos perturbadores

No fim da manhã, o Jadir Augusto me ligou.

Com voz embargada, notadamente enfraquecida, contou que estava saindo da fase mais aguda da Covid-19.

Jadir é um petista militante que sempre me liga para falar de política.

Mas, dessa vez, ligou para me dar notícia de seu estado de saúde, sobre o qual desconhecia:

“Senti muita dor de cabeça, muita dor no corpo. Isso na primeira semana. Mas, depois de dez dias, as coisas começaram a piorar. Você não sente vontade pra nada. O desânimo começa a tomar conta de você”.

Perguntei se havia ficado internado:

“Não. Eu fiz contato pelo aplicativo e depois procurei o José Rayol (Unidade Básica de Saúde, localizada na avenida Constantino Nery, em Manaus). Uma médica me atendeu e passou um monte de remédios”.

Quis saber se ela havia lhe recomendado a polêmica cloroquina.

“Ela passou vitamina C, azitromicina e tamiflu, que não têm nas drogarias, mas que minha família encontrou não sei como. Sobre cloroquina, ela não receitou, só perguntou se eu concordaria em tomar. Eu disse que não, que eu conhecia o remédio há muito, desde o tempo que trabalhei na área e que conhecia os efeitos colaterais do medicamento. Ela também passou remédio pra dor, dipirona”.

Perguntei do Jadir como ele havia contraído o coronavírus, porque há umas três semanas ele havia me ligado para informar que havia uma confusão no SPA do Alvorada e desde então não havíamos nos falado mais:

“Eu só saí da minha quarentena pra comemorar os 18 anos da minha filha. Mas era só eu, ela e o meu filho, que moram com a mãe deles e que trabalha na área de saúde. Isso foi num sábado. Na segunda e na terça-feira eu já estava mal”, lembrou, pedindo-me:

“Te cuida, mano! Não quero isso pra ninguém. Essa doença consome a gente o dia todo. De dia, é muita dor; à noite, falta de ar e dá uma confusão mental que você não consegue controlar”.

Quis saber mais e ele concluiu:

“Não sei como é. Você perde o domínio sobre os seus pensamentos e fica sonhando um monte de leseira. Te cuida!”

 

*autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas

Arte: Alex Fideles