Diário de uma quarentena | 16º dia, 5 de abril – Recado do corpo, da mente e do gato
"Eu reclinei a poltrona, encostei a cabeça e me despertei como se tivesse atravessado uma noite inteira de descanso"

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*
Publicado em: 05/04/2020 às 21:38 | Atualizado em: 05/04/2020 às 22:04
Hoje foi um domingo diferente.
A vizinha não pediu a frente de casa para enfeitá-la com motivos cristãos.
A procissão de ramos não passou por aqui.
A cruz, feita com palha, que minha falecida sogra pregava na porta da frente, já não me avisa que começou hoje a Semana Santa.
São 19h45.
A contagem de casos de coronavírus no Amazonas começou em março somando unidades, depois a dezenas e hoje entrou na casa das centenas.
Nas últimas 24 horas, foram 106 novas infecções confirmadas no Estado.
Assim como concentra a riqueza regional, a capital amazonense também concentra a maior parte da doença.
Dos 417 diagnósticos, 379 casos são em Manaus e 28, no interior.
No mapa, apareceu hoje Iranduba, pequeno município na região metropolitana.
As mortes subiram de 12 para 15.
No Brasil
O Brasil registrou 54 mortes em 24 horas e somou 11.130 novos casos da doença.
Em apoio ao governo, que defende a volta do povo às ruas, apesar do mundo orientar o confinamento social, militantes se aglomeraram defendendo o pensamento do chefe da Nação.
Sem citar nome, o presidente deu novo aviso de demissão do ministro da Saúde.
Numa pesquisa de opinião pública, a maioria do povo quer que ele continue no cargo.
O recado do gato, do corpo e da mente
Hoje meu corpo e minha cabeça não funcionaram direito.
Após duas semanas de confinamento e trabalho, nada reagiu como eu queria.
Até que gostaria de repetir a rotina imposta por esse recolhimento.
Mas o gato Gabigol não permitiu.
Quando saí do quarto e sentei à mesa para ler e escrever, ele começou a arranhar a porta de vidro.
Fingi não ter percebido a insistência, porém, ele não se deu por vencido.
Ao contrário, me venceu pelo cansaço até eu dar permissão para que entrasse na casa, enquanto eu ia para a cozinha colocar a comida e trocar a água dele.
Mas o Gabigol não queria água nem comida.
Outra vez, ele foi interromper meu trabalho.
Fez como sempre: andou pelo teclado do computador e depois deitou entre os dois notebooks que agora estou usando e pôs-se a tentar impedir a minha digitação.
Peguei o aparelho, coloquei na minha coxa e continuei o que estava fazendo.
Mas o Gabigol foi lá de novo e me venceu.
Eu reclinei a poltrona, encostei a cabeça e me acordei na hora do almoço.
Despertei como se tivesse atravessado uma noite inteira de descanso.
Havia entendido o recado do gato, do corpo e da mente.
*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas
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