Diário de uma quarentena | 21º dia, 10 de abril – O manto virou máscaras

"O manto que tanto me alegrou no ano passado, agora servirá para proteger a gente de uma doença que está matando no atacado"

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*

Publicado em: 10/04/2020 às 21:14 | Atualizado em: 10/04/2020 às 21:14

Hoje é Sexta-Feira da Paixão. São 18h18.

[…]

Agora são 18h48.

Só agora encorajo-me a relatar que hoje o Amazonas registra 981 novos casos de coronavírus, com mais dez mortos de ontem para hoje.

O sistema de saúde do Estado para socorro às vítimas do coronavírus entra em colapso.

Manaus também já vive colapso funerário. “Os enterros cresceram de forma exponencial”, disse nesta sexta o prefeito de Capital, Arthur Neto.

Os números do Norte explicam melhor essa situação. É que dos 68 óbitos de toda a pandemia, até hoje, 50 (mais de 70%) aconteceram aqui.

 

Um grito para o mundo

Desafiando as ciências, a comunidade internacional e a Organização Mundial de Saúde, o dono da Samel, Luís Alberto Nicolau, com voz angustiada, gritou hoje:

“O mundo inteiro está errado no tratamento do coronavírus”.

Ele quer mostrar que um invento desenvolvido em sua empresa, chamado de “cápsula de ventilação” pode ajudar a salvar muitas vidas.

Criticam que entubações precoces de pacientes matam e que a cápsula, ao contrário, nos hospitais Samel, estão salvando vidas.

O futuro dará a resposta.

 

O cunhado do Joel morreu

Joel é Joel Maklouf, aquele de quem falei ontem, sem citar o nome. O Joel teve febre, desmaiou e fez exame na quarta-feira, dia 19, e aguarda resultado.

Nesse dia, também, ele já estava com dois cunhados acometidos pela Covid-19.

Um deles morreu hoje, no começo da tarde.

Tiago Moreira Gomes tinha 36 anos e a notícia de sua morte teve grande repercussão.

A repercussão tem relação com a preocupação com o contato que possa ter feito com outras pessoas.

Ele trabalhava na Feira da Manaus Moderna, o maior centro de compras de produtos regionais da capital amazonense.

 

O acidente do motoboy

Eram duas da tarde. Fazia um silêncio incomum nesta Sexta-Feira Santa aqui por perto de casa.

Mas a falta de ruídos foi quebrada por um barulho.

O motoboy havia sido acertado em cheio por um carro no cruzamento da rua de casa com a que dá acesso à avenida das Torres.

A batida, para mim, apesar da preocupação com o rapaz que sofreu algumas escoriações, me trouxe um alívio.

Naquela hora, deu para perceber que, por aqui, todo mundo está cumprindo rigorosamente o seu isolamento social.

Mas bastou um barulho para que todos saíssem à rua, porque, em instantes, uma multidão se formou para socorrer o motoboy.

 

Angústia

Hoje acordei tarde, estranhamente tarde. Afinal, na noite passada havia dormido cedo, derrubado pelo cansaço de tanto noticiar os fatos da pandemia, juntamente os heróis editores do BNC AMAZONAS.

Despertei-me assustado, porque a luz que me despertou era a do dia e faltava apenas meia hora para minha participação na rádio.

Contudo, o susto me aliviou. Havia entendido que o corpo e a mente estavam relaxados.

Mas, os enterros em valas coletivas nos EUA, o colapso nos hospitais e nos cemitérios de Manaus, amigos pedindo socorro e o presidente da República incentivando a volta do povo às ruas, apesar da pandemia, me angustiaram.

E me angustiaram num dia que começou com o cantarolar do vizinho Cláudio Pantoja, acompanhando alto a interpretação de Waldick Soriano da música Angústia, de Bienvenido Granda.

 

O manto rubro-negro virou máscaras

Minha Sexta-Feira foi tão angustiada que nem notei que a Darci estava transformando minha maior bandeira rubro-negra em máscaras para enfrentar o coronavírus.

Ela só me mostrou quando jogou o resultado da costura dela no fim da tarde.

Tudo bem!

O manto que tanto me alegrou no ano passado, agora servirá para proteger a gente de uma doença que está matando no atacado.

 

*autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas

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