Diário de uma quarentena | 31º dia, 20 de abril – Cemitério congestionado
"Também havia fila de gente e de carros funerários na administração do cemitério"

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*
Publicado em: 20/04/2020 às 20:10 | Atualizado em: 21/04/2020 às 06:28
Hoje é segunda-feira. São 17h54.
A contagem do novo coronavírus (Covid-19) pode ter dado um sinal de que o potencial mortal da doença começa a ser controlado pela evolução no tratamento dos infectados.
Embora o número de mortos tenha encolhido, a realidade nos cemitérios de Manaus é outra e conto isso no último subtítulo deste capítulo.
Mas, nas últimas 24 horas, as autoridades anunciaram apenas mais três mortos, muito abaixo das 21 perdas do dia anterior.
Agora, o Amazonas conta 185 óbitos pela doença.
O número diário de infectados também caiu. Ante aos 147 casos anunciados ontem, nas últimas 24 horas, o avanço foi de 116 infecções confirmadas.
Com isso, o Amazonas chega a 2.160 casos confirmados.
Manacapuru, onde já morreram 13 pessoas, é a cidade mais infectada: 201 casos.
Chefe de poder com o vírus
O chefe do Poder Legislativo do Estado, deputado Josué Neto, anunciou que ele e a família estão infectados pelo coronavírus.
O parlamentar apoia o presidente da República, que defende o fim da quarentena e a contaminação das pessoas como fato natural da doença.
O deputado, porém, como presidente do parlamento estadual, tomou medidas restritivas para evitar aglomerações no Poder e, pessoalmente, fez isolamento social.
Mas, no começo do mês, ele apareceu, sem equipamentos de proteção, ao lado de cinco pessoas.
Vice-presidente em Manaus
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, está em Manaus.
Veio tratar da crise do coronavírus.
No Comando Militar da Amazônia, ele teve encontro com o prefeito da capital, Arthur Neto, e com o governador do Amazonas, Wilson Lima.
Fiquei sabendo que ele foi bastante cobrado e que tomou uma bronca do prefeito, que se ressente da falta de solidariedade do governo central com a cidade, que, neste momento, proporcionalmente, é a mais castigada pela Covid-19 no País.
Em Brasília, o presidente da República, após repercussão negativa no Judiciário e no Legislativo, recuou do apoio que demonstrou a um possível golpe militar para que comande sozinho o Brasil.
Vírus poderoso
A título de registro para o futuro, conto que, pela primeira vez na história, o petróleo fechou com saldo negativo. Não há consumo e os mercados não querem negociar o produto porque estão no limite de seus abastecimentos.
O vírus, que derrubou bolsas e moedas no começo da pandemia, hoje devastou o produto mais valorizado da história do capitalismo mundial.
Fila para enterros
Hoje, com autorização, como repórter, consegui entrar no cemitério Parque Tarumã, o maior da capital amazonense e onde está sendo sepultada a maior parte das vítimas do coronavírus.
Ironicamente, o local teve segurança reforçada. Há policiais na entrada e guardas com rádios comunicadores por todo lado. Eles controlam o acesso e a permanência das pessoas ali.
Não menos irônico, um cartaz do Sindicato das Empresas Funerárias apelava pelo amor à vida e para que as pessoas fiquem em casa.
Tristemente, registrei fila de enterros num campo recém-aberto numa área de mata, ainda no barro.
Ali, enquanto os caixões eram colocados na terra pelos coveiros, sem parentes nem amigos para se despedir, dois tratores abriram novas covas: uma retroescavadeira revirava a terra, enquanto uma pá mecânica removia o barro.
No começo desse campo, uma enorme tenda foi armada e debaixo dela não sei quantos caixões esperavam a vez para serem sepultados.
Também havia fila de gente e de carros funerários na administração do cemitério.
Enquanto isso, outra fila de carros funerários esperavam a vez para entregar ali mais defuntos.
Essas cenas ficaram em minha cabeça o dia todo e não sei como será minha noite.
*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas
Foto do autor