Diário de uma quarentena | 25º dia, 14 de abril – Estou bem, neste momento

ÁUDIO | "Que bom que você não está, neste momento, em uma situação de risco"

Neuton Correa, de Neuton Corrêa*

Publicado em: 14/04/2020 às 21:34 | Atualizado em: 14/04/2020 às 23:07

Hoje é terça-feira. São 17h40.

Eu estava me animando porque, de quarta-feira, dia 8, até ontem, dia 13, os casos de coronavírus haviam recuados depois que atingiram 168 confirmações em 24 horas.

Mas, hoje, o número anunciado de novas infecções foi de 209 e o Amazonas já registra agora 1.464 diagnósticos.

O número de vidas perdidas também saltou. Em 24 horas, foram confirmadas mais 19 mortes. Agora, são 90 óbitos.

Mais um município do interior do Estado registrou caso da doença. Agora, dos 61 municípios, 17 já estão infectados pela doença.

 

Recorde nacional

Nacionalmente, também houve recorde na contagem de casos e mortos.

Agora já são 25.262 casos, mas o que chamou a atenção foram os registros de mortes: 204 em 24 horas.

Ontem, havia sido 105.

Com isso, o País já conta 1.532 mortes pela doença.

 

Governadores infectados

Dois governadores estão acometidos do mal.

O primeiro a revelar foi Wilson Witzel, do Rio de Janeiro.

No fim de semana que passou, ele flexibilizou o isolamento social em seu estado.

No Norte, Helder Barbalho, do vizinho Estado do Pará, também.

Ontem, Barbalho fez pronunciamento tranquilizando o povo de seu Estado de que a rede pública de saúde de lá não receberia pacientes do Amazonas, acometidos da Covid-19.

 

O DJ reapareceu

Após cumprir duas semanas de punição distante por haver violado a quarentena de casa, o DJ Kleyton reapareceu.

Deixo lembrar vocês. O Kleyton seria importante aqui. Minha programação era de que, enquanto durasse o nosso confinamento, ele animaria o isolamento tocando nos fins de semana, já que não pode ser contratado, por causa das medidas restritivas para evitar aglomerações.

Mas ele fugiu duas vezes do confinamento e duas vezes foi chamado atenção para o risco a que estava colocando toda a família.

No dia 1º de abril, teve febre e foi se recolher na casa da mãe dele, que mora noutro bairro.

Só para explicar, o DJ mora com a gente desde bebê.

A ida dele para a casa da Edione foi uma auto punição e vou dizer uma coisa pra vocês. Tenho forte suspeita de que ele foi acometido pela Covid-19. Isso porque, além da febre, o Kleyton também perdeu o paladar e desenvolveu sintomas parecidos da doença.

Ele entrou em casa, de máscara. Comeu o bolo de leite que a Darci havia acabado de tirar do forno, foi para o quarto dele, pegou roupas, máscaras caseiras, folhas para chá e antes de sair falou assim:

“Em julho posso voltar?”.

E eu respondi:

“Sim, se a pandemia passar, pode vir”.

 

Capítulo 3 – do amigo

Muita gente já sabe de quem estou falando, até porque as coisas se tornaram públicas.

Seus amigos querem que mais gente saiba que você está lutando contra o vírus.

Queremos que a torcida por sua recuperação seja maior, porém vou respeitar o pedido que você me fez para não divulgar seu nome.

Mas, olha, fiquei feliz com a mensagem que você me enviou ontem que não abri, porque não vejo mais recados de SMS.

Espirituoso até no leito, você lembrou do peixe de casa, do meu aniversário e reclamou da falta de paladar que está sentindo:

“Neuton,
Hoje amanheci respirando melhor. Sinto os pulmões mais fortes. Como não sinto sabor de nada, minha memória de gosto está a mil. Lembrei agora cedo e saboreei, como se fosse de verdade, aquele tambaqui gostoso do teu aniversário. Senti aquela parte crocante. Espero voltar logo a sentir os gostos das coisas.
Obrigado pela tua consideração. Como te disse uma vez, você me importa.
Estou agarrado na mão da vida pra ela não me escapar”.

Ela não vai escapar, não. Tenho fé nisso.

Sua capacidade de escrever é incrível. Suas lembranças são capazes de produzir imagens e sabores.

Ah, uma coisa: quando sair do hospital, cria uma conta de WhatsApp. Tá na moda.

 

Estou bem, neste momento

Até 12h51, meu dia estava muito bem, talvez me adaptando à angústia provocada por essa pandemia que não teve hora para começar nem tem dia para terminar e que está matando e fazendo sofrer gente querida.

Essa aflição também nos faz perceber, a cada dia, que, mais cedo ou mais tarde, o vírus baterá à nossa porta, apesar de todos os cuidados que estou tendo.

Mas, nesse quase mês de isolamento, hoje de manhã, sentia-me distante desses sentimentos.

Contudo, antes das 13h, meu celular tocou. Olhei a tela, eram apenas quatro números: 0136.

Imediatamente atendi e no ato fui informado que se tratava de uma ligação do Ministério da Saúde, preocupado se eu estava ou não acometido do coronavírus.

Eu estava sendo consultado remotamente por um robô, por uma voz gravada que começou perguntando se eu estava respirando bem.

Respondi que sim e ela imediatamente replicou, entusiasmada:

“Ótimo!”.

Mas, em seguida, me falou uma coisa que me perturbaria o resto do dia, inclusive agora, enquanto escrevo este diário:

“Que bom que você não está, neste momento, em uma situação de risco”.

Atônito, continuei respondendo para a atendente, que queria dar mais informações sobre a pandemia.

Mas, quando a ligação foi encerrada, a frase voltou a se repetir em minha cabeça:

“Que bom que você não está, neste momento, em uma situação de risco”.

Depois, tentei tirá-la do pensamento, mas ainda ficou um trechinho:

“Neste momento”, “neste momento”, “neste momento”.

 

*autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas

Arte: Alex Fideles