“Com certeza”
Crônica de Walmir Barbosa reflete sobre os usos da expressão e seus ecos no cotidiano, na política e na democracia.

Adrissia Pinheiro, por Walmir de Albuquerque Barbosa*
Publicado em: 27/06/2025 às 10:34 | Atualizado em: 27/06/2025 às 10:34
A academia não suporta a expressão “com certeza” por considerá-la uma expressão chula, indigna de atravessar os umbrais de uma instituição de eruditos que velam pela pureza da língua.
Dói aos ouvidos de uns; é considerada pobre demais por outros; sem sentido para alguns; oportuna para os que gostam de zoar com a vida alheia; e, para os presunçosos, um pecado imperdoável.
Os mais resilientes a aceitam como adequada no seu “metier” profissional: é o caso dos consultores que precisam satisfazer os clientes; corretores de seguros e das bolsas de valores, que precisam dar falsas garantias aos aplicadores quanto aos ativos negociados nas bolsas de valores; parlamentares, que precisam satisfazer seus eleitores, decidir apoios nas votações, vetos e maracutaias com as emendas parlamentares; jornalistas de bastidor, tidos como comentaristas políticos; e, por fim, a “alta diplomacia” americana de Donald Trump.
Passa despercebida em meio a comentários de intelectuais pretensiosos, quando desejam mostrar sua arrogante sabedoria.
Há, ainda, os que simplesmente a odeiam.
Certa vez, um colega professor confessou-me que, no primeiro dia de aula, advertia aos alunos que no espaço universitário as palavras “certeza” ou expressões como “não tenho dúvida” etc. não deveriam ser proferidas nos diálogos entre o professor e o aluno. Tudo isso para que só “proferissem declarações logicamente fundadas”.
Segundo ele, dentro dos limites da liberdade de expressão que defende, os professores não são obrigados a tolerar dentro de uma universidade o que ele chama de “arrotos dos inconformados e incompetentes”.
Por mais condescendentes que sejamos, por mais misericordiosos que queiramos ser, com certeza, precisamos discordar do “precioso mestre” em respeito ao ofício de educador, que prezamos muito.
A verdade é: gostemos ou não, com certeza é a resposta do momento a tudo que temos pela frente! Seja para o bem ou para o mal, seja para livrar-se de um chato, seja para iludir um adepto das teorias conspiratórias, seja, até, para cancelar os que desejam impor uma visão retrógrada da realidade ou suas crenças, despidas da lógica formal tradicional, fundamentada.
Tudo que é, hoje, com certeza, não será amanhã: a amizade, o cessar-fogo, o armistício, o papel passado como declaração de um negócio fechado, contratado e pacificado.
O distrato está na ordem dia! É a ruptura com tudo que aprendemos ou desaprendemos no plano individual, coletivo e político-ideológico. E esse último, termina contaminando os demais e nele a ruptura se faz contundente: “essa ruptura está ficando forte demais para uma democracia ‘normal’ e está gradualmente se encaminhando para uma espécie de guerra fria civil” (ZIZEK, Slavoj. “Uma esquerda que ousa dizer seu nome”. RJ: Editora Vozes, 2023, p. 151).
E, nesse caso, a guerra com armas será, apenas, um detalhe da desfaçatez da indústria bélica e, com certeza, dos seus prepostos.
Depois do desmonte, pouco sabemos do que sobrará da democracia americana, aquela que serviu de exemplo, desde que Alexis de Tocqueville saiu exaltando-a como a melhor coisa do mundo, mesmo que não tivesse abolido a escravidão e o xenofobismo.
Mas, com certeza, o povo do Maga continuará dizendo que fará a América grande novamente.
Netanyahu propala que arruinou o regime dos aiatolás e venceu a “Guerra dos 12 dias” (como estão chamando a pirotecnia dos mísseis), para valorizar a vitória Israelense e, com certeza, merecerá mais tempo no poder, em Israel.
Com certeza, as superbombas do Trump furaram fundo as rochas do Irã, destruindo a usina que enriquecia urânio para produzir a bomba atômica, apesar dos especialistas em seus relatórios dizerem que não.
E por aqui, no Brasil, com certeza, depois de tanta vilania e achaques ao povo brasileiro, o centrão não entregará seus postos no governo e levará adiante o golpe fracassado em 8 de janeiro de 2023, demolindo primeiramente o poder Executivo e, em seguida, o Supremo Tribunal Federal, até dar um tiro no próprio pé.
Só não sei se o povo brasileiro levantar-se-á e porá fim a essa estupidez toda. Talvez aí, caso aconteça tal levante, não precisemos mais usar a expressão “com certeza” como uma “expressão profética” ou mesmo um vício de linguagem no cotidiano; e ninguém precisará sofrer com mentiras.
Tudo será verdade, verdadeira!
*O autor é jornalista profissional.
Foto: divulgação