Carlos Alberto de Nóbrega e a obra da escravidão
O que reverbera na frase do apresentador é o ódio de classe, o autoritarismo da Casa Grande, o preconceito geográfico e linguístico, enfim, a violência simbólica

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 22/07/2023 às 04:04 | Atualizado em: 21/07/2023 às 13:07
O apresentador Carlos Alberto de Nóbrega, do SBT, protagonizou há três semanas uma cena patética durante uma entrevista concedida à TV Cultura. Ele criticou a ausência de diploma de nível superior do presidente Lula e afirmou ser isto uma das causas do atraso no desenvolvimento do Brasil.
Carlos Alberto foi sincero na sua indignação. Ele pensa exatamente assim. Na verdade, como bom representante da elite branca e abastada paulistana, o apresentador falou daquilo que seu coração estava cheio. A sua fala é a materialização do pensamento elitista, a herança escravocrata que forma o éthos da elite brasileira.
O impropério dito por Carlos Alberto é reflexo da obra da escravidão no Brasil que, mesmo tendo passado 135 anos, continua em pleno desenvolvimento. Algumas destas obras são o elitismo, a cultura do bacharel e a primazia do diploma.
Este tipo de comportamento é amparado por uma brutal desigualdade educacional. Uma desigualdade que é promovida ou, como salientou Darcy Ribeiro, um dos mais expressivos pensadores sociais brasileiros, é um projeto das classes dominantes.
Este projeto elitista nunca aceitou a promoção da igualdade social no Brasil, cujo processo educacional é a pedra fundamental. Os fazendeiros donos de escravos, ricos e parasitas do Estado brasileiro, bem como toda a sua descendência, nunca aceitaram a Lei Áurea, promulgada em 13 de maio de 1888. Eles sempre lançaram contraofensivas para impedir a plena realização da cidadania dos(as) brasileiros(as) menos favorecidos(as).
Pretos e pobres
É o próprio povo preto, indígena, pobre e periférico que, com muita luta, vem derrubando as obras da escravidão em nosso país por meio do ativismo político. Todavia, apesar dos avanços, ainda há muito por fazer em termos educacionais e pela promoção da igualdade étnico-racial. Segundo o senador Cristovam Buarque, a “última trincheira da escravidão” é a promoção da desigualdade educacional.
Neste sentido, nunca foi do interesse da elite nacional, reacionária, de herança escravocrata uma revolução na educação brasileira. Após quase um século e meio do fim das senzalas, o pensamento dessa gente é exatamente o mesmo de seus ancestrais. Para eles, o Estado lhes pertence, serve apenas para o gerenciamento de seus interesses privados e de sua classe.
Ainda, para eles, estudar e ter diploma de nível superior não deve ser coisa de pobre, de preto e de indígena. Eles têm prazer de manter o analfabetismo, pois este cria uma desigualdade social e econômica quase que natural.
O nordestino
Neste âmbito, para a elite, da qual Carlos Alberto é porta-voz, é inadmissível que um retirante nordestino extremamente pobre, que foi impedido pelas circunstâncias da vida e pela ausência de política educacional do Estado brasileiro de ter um diploma universitário, tenha chegado à Presidência da República por três vezes.
O ódio, a Casa Grande
O que reverbera na frase do apresentador é o ódio de classe, o autoritarismo da Casa Grande, o preconceito geográfico e linguístico, enfim, a violência simbólica. Na verdade, o que ele quis dizer foi: “não é para estudar, não é para ter diploma universitário, não é para frequentar os nossos circuitos sociais e culturais, enfim, não é para estar na cadeira de presidente, você não é um dos nossos”.
Carlos Alberto, na sua fala, não representou a si mesmo, mas, sim, toda uma classe. A obra da escravidão se materializa no seu discurso. Em nenhum momento ele reflete sobre as condições de vida do semiárido nordestino, também não exalta nem reconhece a obra de Lula no campo educacional.
Todavia, o mundo inteiro sabe que foi justamente o “semianalfabeto”, na visão do homem da Praça é Nossa, o que mais construiu universidades e escolas técnicas no Brasil. Ao passo que o Prof. Dr. Fernando Henrique Cardoso, a quem Lula sucedeu em 2003, não construiu nenhuma e ainda tentou acabar com elas.
Carlos Alberto não foi infeliz na sua fala, como dito. Ele foi sincero e verdadeiro.
Concluo, citando o grande abolicionista Joaquim Nabuco, que em 1884 declarou: “acabar com a escravidão não nos basta; é preciso destruir a obra da escravidão”. Esta obra, como pôde ser visto na entrevista de Carlos Alberto, ainda existe e reside no pensamento da elite brasileira.
*Sociólogo
Arte: Gilmal