Brincar de boi no Caprichoso
O evento é um importante momento de socialização de curumins e cunhatãs em um dos territórios sagrados do boi da Francesa e do Palmares, o curral Zeca Xibelão

Mariane Veiga, por Dassuem Nogueira
Publicado em: 17/06/2024 às 20:40 | Atualizado em: 17/06/2024 às 23:31
No fim da tarde do dia 16 de junho, em Parintins, aconteceu a Tarde Alegre Infantil do boi-bumbá Caprichoso. O evento ocorre há 30 anos.
Também é um importante momento de socialização de curumins e cunhatãs em um dos territórios sagrados do boi da Francesa e do Palmares, o curral Zeca Xibelão.
A agremiação organizou para elas uma grande estrutura, com brinquedos infláveis, pula pula e distribuição gratuita de pipoca.
Um grupo de animadores organizava brincadeiras no chão.
No palco, os apresentadores intercalavam a cantoria dos levantadores com brincadeiras competitivas que valiam prêmios.
Chamava a atenção especial dos pequenos uma grande alegoria de bumba-meu-boi ancorada nos tetos com longas fitas, uma de cada lado. Em baixo delas, havia uma alça que movimentava a alegoria.



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Brincadeira é coisa séria
Na sociedade parintinense, tudo vira espetáculo. E esse traço é cultivado desde o berço.
Na tarde alegre do boi Caprichoso, a apoteose é o concurso dos itens mirins. Não é propriamente uma competição. Faz parte da brincadeira de “faz de conta que é o de festival”.
A brincadeira de faz de conta é tão séria que foram chamados jurados para simular a disputa da arena. Eles são membros notáveis de sua comunidade, como um representante da Conexão Caprichoso RJ, que reúne torcedores azulados residentes na capital carioca.
A plateia era composta pelas famílias dos itens mirins. Elas participavam da brincadeira representando a galera do boi Caprichoso.
Em um nível altíssimo de produção, trazem consigo balões, imensas bandeiras, confetes, purpurinas e fumaças para a apresentação de seus pequenos.
Contudo, não se limitavam a torcer para os seus pequenos. Eles se uniam nos gritos de torcida e nas coreografias de mãos para todos.
O objetivo é que as crianças sejam incentivadas em sua performance, pois nelas está o futuro do boi Caprichoso.
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Com segurança das crianças não se brinca
O evento Tarde Alegre acontece para que as crianças possam participar da grande festa em ambiente seguro para elas.


A sua entrada nos eventos bovinos é restrita até as 22h pela 2ª vara da comarca de Parintins responsável pela infância e juventude.
Não é permitido o consumo de bebidas alcoólicas no local durante o evento sob pena de multa. A proibição era constantemente lembrada pelos apresentadores.
Também chama atenção o cuidado para que curumins e cunhantãs não tenham seus corpos expostos e sexualizados.
As meninas que se apresentaram com indumentária indígena usavam shorts por baixo das tangas.
E nas coreografias executadas pelo corpo de dança mirim no palco, os passos sensuais de algumas toadas foram trocados por outros.
Por exemplo, no refrão da toada “Alegria de dançar”, que diz “dança baixando, vem, mexe um pouquinho mais” cuja coreografia é um rebolado sensual, as crianças substituíram o passo por uma volta ritimada de 360º.
Os itens mirins apresentam-se com indumentárias e executam performances típicas dos itens oficiais.
São miniapresentadores, levantadores, porta-estandartes, cunhãs-porangas, rainha do folclore, tripa, vaqueiros.
Para que os menores não se sentissem intimidados com o imenso palco, sempre estavam acompanhados de membros do corpo de baile infantil ou dos apresentadores.
Alguns itens oficiais fizeram participação especial nas apresentações.
O empenho em incentivar o sonho azul de suas crianças mostra que o Caprichoso semeia em solo fértil seus talentos.
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Meninas podem tudo!
Destacam-se das demais as meninas que se apresentaram com itens que até hoje não foram executados por mulheres no festival folclórico de Parintins.
O item boi-bumbá evolução é defendido pelo tripa. Ele fica em baixo do boi e não é possível identificar o artista. Exceto quando ele o levanta e se revela.
Foi emocionante ver a tripa mirim Maria Bethânia erguer o boi e revelar seu rosto de menina e os cabelos bagunçados sobre o rosto. Notava-se de longe o seu pai derretido de orgulho pela filha.
O item pajé foi performado por uma menina. Andara Lopes Mourão, a pajerana do boi Caprichoso, fez uma execução impecável do seu item.
Na metade de sua apresentação, subiu ao palco o pajé oficial Erick Beltrão. Os dois performaram a mesma coreografia.
Foi como se o presente e o futuro se apresentassem diante de nós cheio de outras possibilidades, como uma mulher pajé.
Para quem pensa que já se fez de tudo no festival folclórico de Parintins, lembro que as meninas e mulheres ainda não fizeram muita coisa no boi-bumbá.
A pajerana e a tripa do futuro Caprichoso mostram que elas podem tudo.
Fotos: Dassuem Nogueira/especial para o BNC Amazonas