Boi Garantido convoca para quilombo da baixa da Xanda

A antropóloga Dassuem Nogueira destaca a mobilização que o Garantido faz para o dia 30 de novembro, em Parintins

Ednilson Maciel, por Dassuem Nogueira*

Publicado em: 22/11/2024 às 13:32 | Atualizado em: 22/11/2024 às 17:03

No feriado dedicado ao dia da consciência negra, dia 20 de novembro, quarta-feira, o boi-bumbá Caprichoso anunciou a contratação de Marcos Moura, compositor, coreógrafo e membro em muitas edições da comissão de artes do Garantido.

Moura também é ativista do movimento negro no Amazonas.

Horas depois, o boi Garantido lançou uma convocação para o 1º Encontro de Mobilização do Quilombo da Baixa da Xanda, a se realizar no dia 30 de novembro, anunciando membros da família Monteverde como símbolos da resistência quilombola em Parintins e lideranças quilombolas de Manaus e Oriximiná como convidados especiais, em uma programação que ocorrerá no mercado municipal Lindolfo Monteverde, localizado no reduto do boi Garantido.

Dé Monteverde, coordenador do grupo de trabalho sobre patrimônio e memória do boi Garantido, conversou com o BNC Amazonas e nos informou que o evento pretende, primeiramente, ouvir a comunidade da baixa e as lideranças quilombolas convidadas de outras comunidades amazônicas para produzirem um entendimento coletivo sobre suas origens quilombolas e indígenas e a possibilidade de virem a ser reconhecidas legalmente por essa identidade.

Nesse sentido, disse Dé, a família Monteverde participará como convidada como qualquer outra da baixa.

Ele informou ainda que, enquanto uma comunidade cuja identidade e narrativa histórica é bastante publicizada pelo boi Garantido ao longo de mais de um século, esse é um primeiro passo para retornar a esse coletivo políticas públicas e ações culturais permanentes.

Dé informou ainda que a mobilização está no âmbito de atuação do grupo de patrimônio e memória do boi Garantido, que pretende desenvolver ações culturais permanentes e duradouras, além de catalogação das memórias da comunidade da Baixa da Xanda.

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Os Monteverdes da baixa

Embora a família Monteverde seja uma entre aquelas que compõem a baixa da Xanda, a memória coletiva sobre essa família, cultivada em torno do boi Garantido, mesmo antes da existência do festival folclórico, é fundamental para a conformação de uma identidade étnica para a baixa da Xanda.

Germana, mãe de Xanda, possuía uma marca de propriedade em seu corpo, tendo vivido a primeira parte de sua vida escravizada.

Dona Xanda, sua filha, teve um filho com Marcelo Munduruku, conhecido especialista de cura, que é Lindolfo Monteverde, fundador do boi Garantido.

Assim, os Monteverdes da baixa nascem de uma relação própria da formação social da Amazônia, a afro-indígena.

Eles são protagonistas de um enredo social que funda um lugar, a baixa, e uma força cultural, o boi Garantido.

A comunidade formou-se em torno do porto de dona Xanda, onde pessoas com origem étnica semelhante à dos Monteverdes paravam suas canoas, vendiam seus produtos, namoravam, casavam, faziam casas, poesia, bebedeiras, o boi Garantido e muita festa.

De tal modo que a história do boi-bumbá, da família Monteverde e da comunidade da baixa, são indissociáveis.

O evento será uma oportunidade para tornar públicas outras memórias familiares que não a dos protagonistas.

Cada família tem uma história particular a ser contada e visão sobre essa coletividade que poderá ou não se compreender como um quilombo.

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Quando se fala no reconhecimento de um quilombo estamos pautando imediatamente a garantia jurídica sobre um determinado território e o acesso a direitos específicos para quilombolas, principalmente, na educação e na saúde.

O BNC Amazonas procurou Juliene Santos, antropóloga e liderança do quilombo de Cachoeira Porteira, no rio Trombetas, localizado em Oriximiná, no Pará, uma das especialistas convidadas para a mobilização do quilombo da baixa.

Juliene nos informou que o primeiro passo para o reconhecimento de um território quilombola é necessário que exista entre o grupo interessado “uma mobilização organizativa e que parta, sobretudo, da ideia do auto reconhecimento, ou seja, como as pessoas se auto reconhecem dentro do bairro (no caso, a baixa) e como surge esse movimento de construção e manutenção dessa identidade quilombola.

Então é preciso mergulhar nas suas narrativas de fundação do bairro, quem são os fundadores, a relação com esse espaço, quem são as famílias que aí vivem”.

Em seguida, é necessário que haja uma representação jurídica especifica, como uma associação, que precisa seguir uma série de procedimentos que visem ao reconhecimento da identidade quilombola pela Fundação Cultural Palmares.

Após certificação emitida em portaria pela referida fundação, já é possível que essa comunidade acesse direitos específicos para quilombolas.

Mas, esse é somente o primeiro passo dentre outros procedimentos legais a serem seguidos para que se concretize a titulação do território. A partir de então, o território passa a ser inalienável, não pode ser negociado, vendido ou repassado para outros.

Juliene nos explicou que o processo de titulação é bastante complexo e tem ainda mais camadas quando se trata de territórios quilombolas urbanos, que seria o caso da baixa.

“Quando se trata de territórios urbano há outras camadas, sobretudo, por conta de ocupações sobrepostas, questões imobiliárias e também interesses econômicos, que em territórios urbanos se apresentam de forma mais acentuada”.

Leia a convocação para a primeira mobilização do quilombo da baixa da Xanda publicada em suas redes sociais em 20 de novembro de 2024:

“Muito mais que uma festa popular, somos grito, resistência e revolução. 🐮✊🏿♥️
O Boi-Bumbá Garantido convida a população parintinense para o 1º Encontro de Mobilização do Quilombo da Baixa da Xanda, que acontecerá no dia 30 de novembro, a partir das 17h, no Mercado Municipal Lindolfo Monteverde.

O evento marca um importante momento de reflexão e valorização da história e do legado cultural dos quilombolas da região amazônica. A programação inclui uma roda de conversa com a participação de lideranças quilombolas e um show especial do Boi Garantido, celebrando as raízes negras e indígenas que fundamentam sua identidade.

Entre os convidados confirmados estão Nathaly Virginia Fonseca Dantas (liderança da juventude do Quilombo do Barranco de São Benedito da Praça 14), Keilah Maria da Silva Fonseca (Presidente da Associação das Crioulas do Barranco de São Benedito da Praça 14), Maria Amélia Santos (liderança dos quilombos do Rio Andirá), Juliene Pereira Santos (doutora em antropologia, liderança do quilombo de Cachoeira Porteira no rio Trombetas- PA), além de lideranças da Família Monteverde, símbolos da resistência quilombola em Parintins.

O evento reforça que a luta do Boi do Povo vai além das toadas e da arena. O Boi Garantido tem compromisso, além da narrativa, com a ancestralidade e os povos tradicionais e se traduz em práticas concretas e ações de mobilização, como este encontro.

A entrada é gratuita, e toda a população está convidada a participar desse momento de diálogo, aprendizado e celebração”.

Fotos: reprodução/vídeo

*A autora é antropóloga