Boi do povo, boi do povão
Conforme a antropóloga Dassuem Nogueira, 'as toadas deste ano estão todas com energia nas alturas. Das 19 toadas, oito são de galera'. Leia o artigo

Ednilson Maciel, por Dassuem Nogueira*
Publicado em: 10/04/2025 às 19:34 | Atualizado em: 10/04/2025 às 19:34
O boi-bumbá Garantido colocou suas cartas na mesa lançando as toadas do espetáculo 2025, intitulado “Garantido, boi do povo, boi do povão”.
Ao contrário do que apresentou ano passado, com uma proposta, digamos, “retrô”, as toadas deste ano estão todas com energia nas alturas. Das 19 toadas, oito são de galera.
E, dentre as que serão dedicadas à defesa de ritual, lenda amazônica, figura típica regional etc, a maioria mantém a linha da alta potência rítmica e musical.
Afroparintintin
A toada “O povo negro da Amazônia”, dos compositores Helen Veras, Jorge Moraes, Maneca Sobral e Sebrin, possui um dos diálogos imaginados mais belos:
“- Amazônia, cuide dos meus filhos em teu verdejante ser”
“- África, teus filhos serão meus filhos e viverão em harmonia com a natureza”.
A toada alude aos negros que encontraram refúgio na Amazônia, formando quilombos em meio à floresta.
Fala da mistura física e espiritual aos povos indígenas, aliando-se a esses contra os europeus.
Cria uma categoria poética: o “afroparintintin”, para referir-se aos negros das proximidades de Parintins, como o Mocambo do Arari e o quilombo do rio Andirá.
Parintitin é o nome de um povo do grupo linguístico kagawiba, que vem do tupi, e que habitou o interflúvio mais ao sul, entre os rios Tapajós e Madeira, até o período colonial. Atualmente, vivem em terras indígenas próximas a Humaitá, no sul do Amazonas.
Porém, os moradores de Parintins, às margens do Amazonas, adotam o etnonômio para referir-se à sua naturalidade.
Afroparintintin seria, então, a categoria poética adotada para falar dos afroamazônidas do município.
Também menciona a amalgama espiritual entre as diferentes visões de existência, mencionando a compreensão das religiões de matriz africana de que as flechas dos indígenas também são agências de Oxóssi, o orixá caçador e que os caminhos das ruas, por onde brincam os bois, são de Exu, a quem se cumprimenta com “Laroyê”.
Leia mais
Espetáculo Sebastião celebra comunidade LGBTQIA+ de todos os tempos
“Perrechelogia”
“Perrechelogia” é a toada mais sagaz em termos de identificação popular, já que, torcedores apaixonados ou não, sentem-se especialistas no seu boi-bumbá.
A toada, dos compositores Jaércio Curuatá, Bruno Bulcão, Nazira Marques e Alessandra Reis, funda uma ciência, em métodos nada científicos e totalmente parcial.
Nas redes sociais, a toada virou trend com torcedores exibindo seus diplomas honoris causa.
“O bicho nacional por excelência”
Mario de Andrade (1893-1945), aclamado poeta brasileiro, é menos conhecido por ter inventariado a cultura popular brasileira no início do século passado.
Ao andar pelo país, viu que o boi de pano era a expressão mais popular do Brasil, presente em todo o território nacional.
Disse ele: “O boi é o bicho nacional por excelência”.
Garantido, o boi do Brasil, dos compositores Enéas Dias, João Kennedy e Jordana Bulcão, começa justamente, com essa frase: “Mário de Andrade concluiu, o boi é o bicho do Brasil”.
Leia mais
Morre Inaldo Medeiros, compositor do boi Garantido, em Parintins
Ala dos compositores
O álbum é dirigido por Enéas Dias, Fredinho Góes e Alder Oliveira e conta com 46 compositores no total.
Para quem, como eu, sempre observa onde estão e quantas são as mulheres, elas são cinco e estão nas toadas: Nazira Marques (“Perrechelogia”, “Ritual Ajiê”), Alessandra Reis (“Perrecheologia”), Márcia Novo (“Pode remar”), Cíntia Mesquita (“Perreché arretado” e “Tacacazeiras”) Jordana Bulcão (“Perrechezada” e “Garantido, boi do Brasil”).
O boi Garantido também lançou um clipe dirigido e coreografado por Gandhi Tabosa, com o tema “Garantido, boi do povo, boi do povão”.
Foto: Yasmin Cadore/divulgação