A bestialização do trabalho
Essa proposta de reforma apenas aprofunda a precarização do trabalhador iniciada em 2017

Neuton Correa
Publicado em: 28/08/2021 às 04:00 | Atualizado em: 24/09/2021 às 17:48
Aldenor Ferreira*
Na semana passada, a Câmara Federal, na calada da noite, votou um projeto de minirreforma trabalhista. Este, por sua vez, não é mais do que a institucionalização da bestialização do trabalho.
Em 2017, já havia ocorrido uma reforma trabalhista substancial. Contudo, a burguesia nacional é insaciável, de herança escravocrata, retrógrada e parasitária; não sossegará até ver o último direito trabalhista ser eliminado.
Sabemos que desde a revolução industrial do século XVIII, ou mesmo antes disso, a relação entre capital e trabalho é tensa. Sabemos também que todas as conquistas relacionadas aos direitos trabalhistas foram frutos de lutas e resistências dos(das) trabalhadores(as)
O saudoso professor Antônio Candido afirmava que, na Inglaterra – berço da revolução industrial e, por extensão, do próprio capitalismo –, “os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria”.
Nessa época, o trabalho de homens e mulheres diferia pouco do das bestas do campo, com jornadas de trabalho que oscilavam entre 12 e 14 horas por dia.
De lá para cá, fundamentalmente a partir do século XIX e por meio de seus sindicatos, a classe-que-vive-do-trabalho – para utilizar uma expressão do professor Ricardo Antunes –, veio tomando consciência de-si-e-para-si, lutando bravamente pela redução da jornada de trabalho.
No Brasil atual, a luta continua, uma luta pelo direito de continuar existindo como um(a) trabalhador(a), frente a uma enorme precarização das condições de trabalho e, também, de desemprego.
A propalada reforma trabalhista, cavalo de batalha do então presidente Michel Temer, se revelou uma grande cilada. Não produziu a tal modernização das leis trabalhistas, não gerou os milhões de empregos que prometeu nem promoveu crescimento econômico ao país.
Pelo contrário, trouxe de volta a barbárie para o mundo do trabalho, agudizando a tensão na relação capital versus trabalho e inferiorizando ainda mais os(as) trabalhadores(as).
Já se passaram quatro anos da falaciosa reforma e os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são muito ruins para a classe em questão. Hoje, o país conta com 14,7 milhões de desempregados, sem mencionar os desalentados e os que vivem de fazer bicos.
Com efeito, a classe-que-vive-da-exploração-do-trabalho quer mais e, covardemente, se utilizou do momento pandêmico para “passar a sua boiada” na Câmara Federal, “o comitê executivo” de seus negócios, parafraseando Marx.
A Medida Provisória (MP) 1.045 visa, dentre outras coisas, reduzir a jornada e o salário dos trabalhadores, bem como possibilitar a adoção de novas formas de contrato de trabalho, criando programas como o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Prior) e o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip).
Essas nomenclaturas com aparência moderna, cheia de “boa vontade” e “patriotismo”, no limite, são “jabuticabas” inseridas no texto da MP. O resultado prático disso tudo é: precarização, subcontratação, terceirização, subemprego e insegurança para o(a) trabalhador(a).
Dentre os programas mencionados, o Requip é o mais atroz, pois, dos direitos trabalhistas, o trabalhador receberá apenas o vale transporte e, ao final do contrato, não receberá aviso prévio, férias e 13º salário proporcionais ao tempo de serviço, ainda que exerça a mesma atividade ou função desempenhada por outro trabalhador devidamente registrado.
Isso é covardia, um oportunismo cruel, pois os trabalhadores brasileiros já estão fragilizados pelo desemprego e pelo desalento, estão adoecidos pela pandemia, que trouxe perdas físicas e emocionais, estão sem cobertura previdenciária.
Isso fará com que vejam situações de trabalho extremamente precarizadas como a única possibilidade de não morrerem de fome. Diante desse cenário de guerra, terão que aceitar e se sujeitar a esses contratos sob pena de não sobreviverem.
Com efeito, não devemos nos espantar muito com essas medidas, pois, por mais absurdas que pareçam, mostram a verdadeira face do capitalismo liberal, das tais leis de mercado e de um governo que está a serviço exclusivamente do capital.
Em termos comparativos, enquanto os países nórdicos refundam o Estado do Bem-Estar Social, dando ao trabalhador um nível de vida melhor, tendo a Noruega, por exemplo, estabelecido licença maternidade de 12 meses com salário integral, o Brasil volta para o século XVIII, para os primórdios da revolução industrial.
A tal minirreforma trabalhista – que, para o bem da economia brasileira, precisa ser barrada no Senado – cria um “nó górdio” para o país: quanto mais precarização e insegurança do trabalhador, menos consumo. E sem consumo, não há capitalismo.
Nesse tipo de contrato de trabalho, dado o alto grau de precarização, subcontratação, incertezas e insegurança, o trabalhador apenas sobrevive. Ele não compra bens duráveis, não faz investimentos a médio e longo prazo, apenas prioriza a manutenção diária da sua vida e de sua família.
Não precisa ser um gênio nem ter estudado economia em Harvard para saber que a solução para o desemprego no país não é essa.
Desemprego se combate com investimentos em áreas estratégicas como: educação, ciência e tecnologia, infraestrutura, facilitação de novos negócios, barateamento do crédito, extensão de prazos de pagamento de dívidas etc.
Essa proposta de reforma apenas aprofunda a precarização do trabalhador iniciada em 2017 e não produzirá efeitos práticos e duradouros para a economia nacional, apenas aprofundará ainda mais a bestialização do trabalho.
*Sociólogo
Foto: ASCOM/Ministério do Trabalho, em 18 de janeiro de 2017