Bauman e o Luva de Pedreiro 

É a partir do conceito de Modernidade Líquida que podemos analisar o caso do influencer Iran de Santana Alves, o Luva de Pedreiro. Ele, na mesma velocidade meteórica que ascendeu, caiu

Bauman e o Luva de Pedreiro 

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 14/12/2024 às 06:24 | Atualizado em: 14/12/2024 às 06:24

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em textos e entrevistas, afirma que na Modernidade Líquida nada é feito para durar. Segundo ele, vivem-se tempos líquidos, onde tudo é volátil, efêmero e transitório. 

Se, outrora, a sociedade mantinha instituições duradouras, previsibilidade e valores relativamente estáveis, na Modernidade Líquida isso mudou radicalmente. Nesse sentido, estruturas sociais como família, trabalho e política tornaram-se cada vez mais frágeis e transitórias. Isso dificulta a criação de vínculos duradouros e molda novas identidades e sociabilidades. 

Nesse cenário, não há raízes profundas nos relacionamentos. Em nenhum deles.

Na verdade, há um agudo processo de atomização do sujeito social que culmina em um deslocamento da ação coletiva para a ação individual. Ou seja, cada pessoa passa a ser responsável por navegar, sozinha, pela instabilidade e incertezas da vida.

Aldenor Ferreira

Além disso, a identidade passa a ser definida pelo consumo e pelo desejo de novidades. É como se fosse “consumo, logo existo”, parafraseando René Descartes. Isso fatalmente produz relações efêmeras e descartáveis. 

Bauman ajuda a entender sociologicamente porque a vida se tornou tão banal, desprovida de sentido e de sentimentos. De fato, nada é feito para durar e isso vai desde as mercadorias chinesas ou norte-americanas até os relacionamentos humanos. 

Luva de Pedreiro

É a partir do conceito de Modernidade Líquida que podemos analisar o caso do influencer digital Iran de Santana Alves, o Luva de Pedreiro. Ele, na mesma velocidade meteórica que ascendeu, caiu. 

De origem humilde, o jovem baiano, com seus vídeos futebolísticos, tornou-se um fenômeno das redes sociais. Rapidamente, ele alcançou a fama e passou a contar com milhões de seguidores e visualizações em seus conteúdos. Esse alcance nas redes o levou a participar de programas televisivos, estrelar comerciais e conhecer as estrelas do futebol mundial, como Cristiano Ronaldo e Messi.  

Todavia, com muito dinheiro conquistado rapidamente e com pouca experiência no mundo dos negócios digitais, Iran teve problemas com seu empresário e enfrenta, até o momento, uma longa batalha judicial por quebra de contrato. 

O Luva é a materialização do conceito de liquidez de Bauman. Um meme ambulante que, com o passar do tempo, deixou de ser interessante e teve o mesmo destino de todos aqueles meteóricos fenômenos da Internet: o esquecimento. É assim que funciona a colossal máquina de produção de ascensões e declínios atrelada aos negócios do mundo digital. 

O fato é que o Luva, mesmo depois de estrelar comerciais de marcas esportivas milionárias, voltou para a Bahia e não está em situação financeira confortável. A justiça bloqueou suas contas, totalizando um valor de R$ 5,2 milhões, por descumprimento de decisão judicial na disputa que trava com seu antigo empresário.

Conclusão 

Na Modernidade Líquida é assim mesmo. O público desaparece na mesma velocidade em que surge. Iran, o Luva, já desapareceu dos comerciais das grandes marcas e da grande mídia. A tendência é que desapareça de vez, pois no mundo dos negócios digitais a efemeridade das “estrelas” é a tônica. As empresas estão sempre em busca de novos fenômenos para explorar ao máximo e depois descartar como um objeto gasto.  

Como mencionado no início deste texto, na Modernidade Líquida nada é feito para durar. É tudo efêmero e transitório. A ascensão meteórica de influencers, cantores, comediantes, atores etc. já é em si mesma o prenúncio de queda, desaparecimento e esquecimento. Esse é o jogo. 

*Sociólogo