Audiências públicas: coisas para “inglês” ver

É possível que a sociedade influencie, de fato, a decisão acerca da aprovação ou rejeição de um determinado licenciamento ambiental? 

Audiências públicas: coisas para “inglês” ver

Neuton Correa, por Aldenor Ferreira*

Publicado em: 03/05/2025 às 00:01 | Atualizado em: 03/05/2025 às 01:08

De acordo com a Resolução n. 9 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), publicada em 3 de dezembro de 1987, as audiências públicas são obrigatórias em processos de licenciamentos ambientais. 

Entretanto, apesar de ser muito importante, frequentemente, o número de participantes nessas audiências é bastante reduzido. Além disso, com exceção dos especialistas e dos diretamente envolvidos no processo de licenciamento, o público em geral nem sempre dispõe de informações suficientes sobre o tema em debate. 

Essa realidade se deve a diversos fatores, entre eles a dificuldade de traduzir conteúdos técnicos complexos para uma linguagem acessível a todos os participantes. Nesse contexto, é preciso que reflitamos sobre a seguinte questão: é possível que a sociedade influencie, de fato, a decisão acerca da aprovação ou rejeição de um determinado licenciamento ambiental? 

Casos emblemáticos 

Honestamente, não acredito nisso, considerando que, em todo o Brasil, grandes obras foram licenciadas e executadas mesmo diante da manifestação contrária da sociedade nas audiências públicas. Um exemplo emblemático é o da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, estado do Pará.

Em todas as audiências públicas relacionadas à construção dessa usina houve manifestações contrárias por parte da sociedade civil, fundamentalmente dos povos indígenas da região. Aliás, nesse caso, a própria Fundação Nacional do Índio (FUNAI) se manifestou favorável à obra. 

Conforme reportagem publicada no site do WWF, em 2009, a FUNAI “apresentou parecer favorável à usina, contrariando a posição de seus próprios técnicos e de especialistas de renome nacional e internacional, mas sobretudo dos povos indígenas contrários à construção da usina de Belo Monte e de qualquer outro empreendimento que afetasse o curso do Rio Xingu”.

A realidade

As lideranças indígenas, especialmente os Kayapós, reagiram e manifestaram seu repúdio. Mesmo assim, a licença foi concedida e a obra executada. Essa é a realidade. Belo Monte é apenas um exemplo; situações semelhantes ocorreram nas construções das usinas Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia. 

Em todos esses casos, a sociedade foi ouvida e se posicionou de forma contrária ao licenciamento e à execução das obras, mas não teve suas reivindicações efetivamente consideradas. Ou seja, em vez de diálogo aberto e inclusivo, o que se observou nos exemplos citados foi a manutenção de práticas e de instrumentos que, ao fim e ao cabo, privilegiaram os interesses do capital em detrimento dos interesses da sociedade. 

Nesse contexto, penso que a dinâmica das audiências públicas, seu formato de execução, compromete o esclarecimento da população. Elas contradizem seu próprio objetivo, que é o de democratizar o debate acerca dos impactos socioambientais dos empreendimentos. 

Conclusão 

No meu entendimento, as audiências públicas não têm sido operadas de maneira eficaz no âmbito dos processos de licenciamentos ambientais em nosso país. Elas se constituíram em reuniões burocráticas e técnicas demais para o grande público. 

Além disso, em sua maioria, são reuniões pro forma – meros rituais procedimentais –, mais voltadas ao cumprimento de exigências legais do que para promover, de fato, a participação social. São eventos para “inglês ver”. 

Portanto, para que as audiências públicas sejam, de fato, eficazes e cumpram o seu papel, é necessário repensar suas dinâmicas. O instrumento é muito importante, mas precisa ser modernizado, aperfeiçoado, democratizado e adequado aos novos tempos. É preciso garantir o acesso adequado às informações e a efetiva consideração das manifestações populares nos processos decisórios. 

Tenho dito! 

*Sociólogo