As plantinhas de Oyama
"Nas conversas que Oyama mantinha com seus vizinhos, ele relatava as novidades, que eram recebidas como loucura e com pouca ou nenhuma importância"

Neuton Correa
Publicado em: 26/06/2021 às 07:50 | Atualizado em: 24/09/2021 às 17:49
Aldenor Ferreira*
Alfredo Homma**
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Na semana passada foram comemorados os 90 anos da imigração japonesa em Parintins, estado do Amazonas. Dentre os imigrantes que ali chegaram, um nome entrou para história como o pai da juta: Ryota Oyama (1882-1972, na foto).
A chegada de Oyama a Parintins, em 19 de novembro de 1933, quando tinha 51 anos de idade, mudou o eixo da história econômica do município e do estado como um todo, visto que ele foi o responsável direto pela aclimatação da juta indiana na região.
Nesse processo, ele se perguntava: “por que será que a juta cresce mais de quatro metros na Índia e na Amazônia mal chega a atingir um terço de sua altura?”.
A partir dessa indagação, sua aposta foi de que o problema eram as sementes importadas.
De fato, naquele momento, não seria interessante para a Índia, principal produtora e fornecedora de sementes de juta, o estabelecimento de um concorrente, ainda mais na Amazônia, região com vasta extensão territorial, cujas condições de cultivo são muito parecidas com as suas.
Nesse sentido, conforme registramos no texto Imigração japonesa na Amazônia: contribuição na agricultura e vínculo com o desenvolvimento regional (2011), nas conversas que Oyama mantinha com seus vizinhos, ele relatava as novidades, que eram recebidas como loucura e com pouca ou nenhuma importância. “Juta não dá na Amazônia”, era o que diziam.
Todos os lotes de sementes que chegavam a Parintins eram plantados pelos colonos japoneses com a esperança de que houvesse êxito, mas ele não ocorria. A juta não passava de um metro e meio de altura, um terço do tamanho comercialmente aceito e, aos poucos, as plantações iam sendo abandonadas, mas Oyama permanecia.
Ele insistia, pegava sua canoa e saía remando todos os dias para visitar o plantio em seu lote no Andirá. Olhava o jutal, verificando se alguma planta se destacava e seu rosto expressava impaciência.
Ocorre que por um golpe de sorte, em fevereiro de 1934, Ryota Oyama entrou para a história da agricultura da Amazônia e do Brasil ao se deparar com dois pés de juta que iriam mudar a vida de milhares de pequenos produtores amazonenses e de seus compatriotas.
Em meio àquela massa verde que parecia toda igual, juntamente com seu filho, Tamon Oyama (1919-2012), vislumbrou a silhueta de dois pés de juta delgados que sobrepujavam os demais em altura.
Imediatamente saltou da canoa e entrou na água para examinar de perto, concluindo que ele havia raciocinado corretamente. A vigília de três meses observando o crescimento da juta e a subida do rio Amazonas foi recompensada nesse dia com a comprovação in loco de que era possível obter uma juta maior do que as demais.
No dia seguinte, bem cedo, os dois pés de juta foram amarrados a duas estacas, pois a enchente ameaçava a empreitada com as águas que subiam rapidamente a cada dia. Oyama ficou, então, obcecado em proteger seu cultivo.
Lentamente, como se representassem a própria eternidade, esses pés foram crescendo e chegaram a atingir quatro metros de altura, com poucas folhas e sem nenhuma beleza.
Mas, em nosso texto de 2011, apontamos que a ameaça da cheia quase se confirmou, o que foi o suficiente para que as águas barrentas do rio Amazonas levassem um dos pés.
Do que restou, Oyama cuidou como se fosse um filho, dedicando-se a ele de fevereiro a junho. E seu esforço não foi em vão: obteve dez cápsulas que foram plantadas no dia 20 de outubro de 1934 em frente à sua casa, na Colônia Modelo de Andirá que, sete meses depois, resultaram na colheita de 200 gramas de sementes.
Portanto, podemos ver que o cuidado e a persistência de Ryota Oyama foram o que permitiu o sucesso da cultura da juta na Amazônia. Sucesso esse obtido mesmo em uma época em que não existiam formicidas no comércio de Parintins, problema que Oyama resolveu passando várias noites jogando água quente nas trilhas das formigas que ameaçavam constantemente pôr fim ao seu empreendimento.
Assim, em 26 de fevereiro de 1937 foi colhida a primeira safra comercial dos plantios de Ryota Oyama e Yoshimasa Nakauti e, no dia 24 de abril, foram embarcadas 2.770 kg de fibras no navio Tenente Portela, com destino à Fábrica Perseverança, na cidade de Belém – o primeiro carregamento de juta da Amazônia.
As duas plantinhas salvas por Oyama, mais tarde, inauguraram um período de grande prosperidade econômica no município de Parintins e no estado do Amazonas, onde o pai da juta brasileira, como foi merecidamente referenciado, faleceu em 15 de maio de 1972, aos 90 anos de idade.
Em vida Oyama recebeu justas homenagens e condecorações. Neste texto, honramos sua memória quase 50 anos após a sua morte.
*Sociólogo
**Agrônomo
Foto: Arquivo da família