As notícias falsas como mercadorias 

As notícias falsas, mentirosas e caluniosas rendem muito dinheiro para quem cria e divulga

As notícias falsas como mercadorias

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 30/09/2023 às 04:00 | Atualizado em: 28/09/2023 às 10:01

A nossa geração é marcada pelo excesso de informação. Todavia, paradoxalmente, há uma avalanche de informações falsas, imprecisas, distorcidas e mentirosas veiculadas diariamente. Este excesso de informação os estudiosos definem como infodemia

A infodemia é caracterizada pelo aumento expressivo de informações sobre determinado tema, por exemplo, as eleições no Brasil ou a pandemia da Covid-19. Nestes dois casos, o que se viu bastante foram distorções, imprecisões e mentiras construídas de forma proposital para gerar desinformação nas pessoas.

Mas por que este fenômeno cresce tanto? Bem, são vários fatores e explicações. Vou me ater apenas a um. Trata-se de um processo no qual as notícias falsas se tornaram mercadorias e, como tal, constituídas de valor monetário e amplo mercado consumidor.  

As notícias falsas, mentirosas e caluniosas rendem muito dinheiro para quem cria e divulga. E, por meio das redes sociais, muita gente recebe boa remuneração quando alcança um nível alto de engajamento. 

As chamadas big techs ganham muito dinheiro com as notícias falsas. Não é à toa que elas foram contra o Projeto de Lei n.º 2.630/2020 que visava tornar crime este tipo de publicação (fake news). O mecanismo é simples. Uma notícia falsa gera engajamento de ambos os lados. Tanto para os que propagam quanto para os que tentam desmentir. Estes últimos, ao lançarem seus comentários nas redes, aumentam ainda mais o engajamento da postagem. 

A mercadoria, conforme define Marx, é o “elemento básico da economia capitalista”. Neste sentido, a notícia falsa enquanto mercadoria passou a ter valor de uso. Ou seja, a capacidade para satisfazer uma necessidade humana. Ela passou a ter também valor de troca, que é a sua capacidade de ser trocada por outra mercadoria. 

Da mesma forma que ocorre com uma sandália, um celular ou um avião, a notícia falsa precisa ser intermediada por outra mercadoria: o dinheiro. É o que está ocorrendo atualmente. Neste sentido, há fabricadores, compradores e consumidores (diretos e indiretos) realizando uma troca de mercadorias na forma de dinheiro em um mercado cada vez mais aquecido.

A notícia falsa gera lucro para todos, inclusive para os chamados veículos de comunicação tradicional. Salvo algumas exceções, estes também criam e divulgam notícias falsas. Com mais sofisticação, é bem verdade, mas operam de forma caluniosa da mesma forma que o submundo da comunicação. 

Neste meio, distinguir informação imprecisa ou falsa é o que menos importa. Eles sabem que, uma vez lançada ao ar, irá gerar polêmica e isso trará milhares de curtidas, comentários e compartilhamentos. Este engajamento dará ao veículo e/ou ao jornalista maior visibilidade, colocando-os nos chamados trending topics. Uma maior visibilidade pode atrair mais anunciantes, gerando, desta forma, maiores lucros.  

As notícias falsas enquanto mercadorias já se tornaram um fenômeno mundial. No Brasil, há uma produção em escala industrial deste tipo de publicação. Não é à toa que existem “gabinetes do ódio” espalhados pelo país inteiro, cuja produção de notícia falsa nunca cessa, seja em tempo de eleição, de pandemia ou não. Isto tem deixado a sociedade cada vez mais desinformada e desorientada. 

Concluo, afirmando que a infodemia veio para ficar. Talvez uma regulamentação maior da Internet possa ajudar a diminuir seu alcance, mas jamais determinará o seu fim. As notícias falsas, um dos componentes desta enfermidade, são mercadorias lucrativas. Os seus produtores e divulgadores assumirão todos os riscos e permanecerão na ativa produzindo mais e mais conteúdos falsos. 

Sociólogo

Arte: Gilmal