As Forças Armadas e os ‘entulhos’ autoritários
No caso do Exército, há 133 anos eles, direta ou indiretamente, dão golpes no país.

Ednilson Maciel
Publicado em: 16/07/2022 às 00:01 | Atualizado em: 18/07/2022 às 08:31
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, certa vez, em um discurso, pronunciou a seguinte frase: “é preciso acabarmos com o entulho autoritário no Brasil”. Nessa ocasião, ele se referia aos resquícios da ditadura militar que ainda estavam presentes na sociedade nacional.
Contudo, apesar dessa frase, FHC pouco fez para, de fato, livrar o Brasil desse tipo de entulho. Contrariamente, ele sancionou a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, cujos artigos 20 e 21 censuravam a confecção de biografias não autorizadas.
Entretanto, para o bem de todos, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2015, por unanimidade, atendendo ao pedido da Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) julgou inconstitucionais esses artigos e afastou a exigência de prévia autorização para a confecção e publicação de biografias.
De todo modo, a frase de FHC não pode ser desprezada totalmente, pois ele tinha razão sobre o entulho autoritário que ainda existe de maneira arraigada dentro da organicidade do Estado brasileiro – sendo o militarismo, no meu entendimento, o pior de todos.
No momento, as instituições militares são verdadeiras pedras de moinho presas ao pescoço do povo brasileiro, visto que somos nós os responsáveis pelo custeio de toda a máquina militar, desde a formação dos oficiais nas academias, seus salários, bem como a manutenção de toda a estrutura predial às pensões e aposentadorias.
Salvo raras exceções – é preciso registrar que elas existem –, o Exército, a Marinha, a Aeronáutica e a Polícia Militar possuem em seus quadros pessoas totalmente despreparadas, corruptas, parasitas, incompetentes, defensoras de ideias reacionárias e anacrônicas e, acima de tudo, gente com o espírito golpista.
No caso do Exército, há 133 anos eles direta ou indiretamente dão golpes no país. Nenhuma outra força fez tanto mal à democracia e ao pleno desenvolvimento da República Federativa do Brasil como essa.
Eu já escrevi, nesta coluna, um texto em que construo uma linha do tempo da participação das forças armadas, especialmente do Exército, em golpes militares no Brasil. Em 2022, para não perderem o hábito, eles estão novamente se intrometendo onde não deveriam: as eleições.
Não há outro termo a ser usado que não seja o do golpe, pois a Constituição Federal, a qual eles deveriam sangrar até a morte para defender, não dá às forças armadas nenhum papel de protagonismo em qualquer pleito eleitoral. Ainda, é importante apontar, as Forças Armadas não são um poder, assim como a imprensa que, apesar de comumente ser chamada de quarto poder, não o é de fato, não dentro de uma república democrática.
Com efeito, só existem três poderes na República: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Portanto, imaginar um quarto poder, um poder moderador ou seja lá o que for, seria reescrever O Espírito da Leis de Montesquieu. É nesse texto que está o fundamento da ideia de existência de três poderes, sua separação e autonomia.
Ademais, as Forças Armadas são instituições permanentes do Estado, não tendo sido criadas para defender governos em específico, mas, sim, a nação de forma permanente, independentemente de quem esteja no poder. À medida que eles saem dessa condição e passam a apoiar e a atuar em órgãos civis no atual governo, eles estão descumprindo a constituição.
Como estrutura permanente do Estado, as Forças Armadas devem estar a serviço dos três poderes, salvaguardando-os contra ameaças externas e internas, garantindo seu funcionamento, sem jamais interferir em nenhum deles. Além disso, quando solicitados os seus serviços por qualquer um dos poderes, eles devem estar apostos. É isso o que diz o Art. 142 da Constituição Federal, segundo o qual, as Forças Armadas “destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Todavia, não é isso que registra a história das Forças Armadas nos 133 anos da república. No caso específico do Exército, eles sempre descumpriram as constituições, desde a primeira, promulgada em 1891. Com o advento da constituição de 1988, eles ficaram afastados da cena política por três décadas, agora, novamente, para não perder o hábito, eles voltam a querer descumpri-la.
O novo governo brasileiro, que tomará posse em 1º de janeiro de 2023, junto à sociedade civil, terá que enfrentar essa situação. Não é mais possível, em pleno século XXI, a existência de forças armadas golpistas, parasitárias, reacionárias e obsoletas.
Será preciso reestruturar todas elas, mudar o currículo das academias militares, mudar as formas de ingresso, de promoção, as regras disciplinares internas, enfim, enxugar e modernizar toda a estrutura militar do país.
Também será fundamental que o novo governo investigue e puna os eventuais crimes cometidos por militares, visto que, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), há dois mil e trezentos militares ocupando cargos civis de maneira irregular no governo federal. Por fim, será necessário um trabalho de resgate da credibilidade das forças, destruída com os diversos escândalos durante a gestão Bolsonaro.
Meu intuito com este texto não é dizer que as Forças Armadas não devem mais existir. O que aponto é que, justamente por serem importantes para a nação, devem cumprir seu papel enquanto instituição e não como partido militar corrupto.
Nesse sentido, é preciso remover esse entulho autoritário e fundar novas forças, para que elas ajudem a consolidar a democracia brasileira e não a destruí-la.
Aldenor Ferreira, – Sociólogo
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil