Armas para o povo: qual objetivo da perigosa fala do presidente da República?

Ferreira Gabriel, por Marcelo Aith* e Marcos Limão**

Publicado em: 26/05/2020 às 14:18 | Atualizado em: 26/05/2020 às 14:18

A nação brasileira foi presenteada com um show de horrores advindos da revelação do malsinado vídeo da reunião ministerial realizada em 22 de abril de 2020.

Dentre as inúmeras aberrações trazidas e crimes de várias naturezas perpetrados por inúmeros atores da equipe do governo federal, chamou atenção a fala do chefe do poder Executivo, em relação à necessidade de armar população brasileira para combater a suposta ditadura de esquerda no Brasil.

O presidente, em um discurso recheado de xingamentos a governadores e prefeitos, em flagrante desrespeito ao seu posto de chefe de Estado, afirmou, aos berros, que deseja “escancarar a questão do armamento aqui”.

“Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado”.

Algo semelhante a esse rompante de fúria foi registado pelo “O Jornal Correio da Manhã”, em 12 de agosto de 1937: “Mussolini diz que só um povo armado é forte e livre”.

Benito Mussolini foi um dos fundadores do fascismo na Itália, que alcançou o poder com a bandeira de combate aos comunistas e os socialistas.

Porém, após assumir o poder abandonou qualquer estética democrática do seu governo e estabeleceu sua ditadura totalitária.

Para alcançar esse estágio, e mantê-lo, Mussolini armou o povo e criou uma milícia denominada “camisas negras”.

Os “camisas negras”, força armada do fascismo, foram organizados como uma violenta ferramenta militar desse movimento político.

Os fundadores foram intelectuais nacionalistas, ex-oficiais militares, membros especiais dos Arditi e jovens latifundiários que se opunham aos sindicatos de trabalhadores e camponeses do meio rural.
Seus métodos tornaram-se cada vez mais violentos à medida em que o poder de Mussolini aumentava, através da intimidação e assassinatos contra opositores políticos e sociais.
Entre seus componentes, que formavam um grupo muito heterogêneo, incluíam-se criminosos e oportunistas em busca da fortuna fácil.

 

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Mussolini e Bolsonaro

São grandes as semelhanças do discurso fascista de Mussolini e o ideário proposto por Jair Bolsonaro na famigerada reunião do dia 22 de abril, especialmente no que diz a armar a população contra uma possível ditadura.

A Venezuela bolivariana dos ditadores Hugo Chávez e Nicolás Maduro – tão criticada por bolsonaristas – também fala em armas para o povo com muita frequência.

Em 2006, seu oitavo ano de mandato, o então presidente venezuelano Hugo Chávez afirmou que se deveriam armar 1 milhão de venezuelanos, para evitar a invasão dos Estados Unidos.

Mas, quem são os ditadores potenciais na visão do presidente do Brasil?

Por inúmeras vezes, ele se reportou aos governadores e prefeitos que estavam determinando o fechamento do comércio de produtos não essenciais a fim de evitar a propagação da covid-19 (coronavírus).

Dessa forma, não é difícil concluir que o presidente estava a sugerir que a população – especialmente a manada que o segue – se arme contra esses agentes políticos, em flagrante ofensa ao federalismo e ao Estado Democrático de Direito.

O discurso presidencial está em evidente descompasso com a Constituição da República, que, logo no preâmbulo, estabelece que a Assembleia Nacional Constituinte esteve reunida com o objetivo de instituir um Estado Democrático destinado a assegurar a harmonia social e a solução pacífica das controvérsias.

Ademais, a conduta do presidente da República tangencia ao tipo penal previsto no artigo 4º, IV (“A segurança interna do país”), da Lei 1079/50, que cuida dos crimes de responsabilidade do chefe do Executivo federal, na medida em que um espírito beligerante dos seus seguidores contra os políticos contrários ao fim do isolamento.

Democracia é o regime político caracterizado justamente pela existência de diversas ideologias, por vezes com visões conflitantes de modelo ideal de sociedade.

A questão é que, em um contexto de conflito, as controversas são resolvidas sem violência por meio da política. É assim que funciona as sociedades civilizadas e democráticas. Pretender o contrário é flertar com estados totalitários.

Os ditadores da atualidade têm se diferenciados dos antigos por uma característica muito peculiar: utilizam o discurso de defesa da democracia e da liberdade para implantar um regime totalitário, em que o pensamento divergente não pode existir.

As instituições e a sociedade abram os olhos para o Brasil idealizado pelo governo Bolsonaro e revelado na fatídica reunião ministerial.
 
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*autor é advogado especialista em direito público e direito penal e professor da Escola Paulista de Direito
 

**autor é jornalista e advogado, com especializações em marketing político e direito eleitoral