Amazônia: para além do garimpo (parte 2)
"Reafirmando que o potencial da flora nativa amazônica é real, amplo e diversificado. Há um amplo mercado de Plantas Alimentícias Não Convencionais a ser explorado"

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 18/12/2021 às 06:27 | Atualizado em: 18/12/2021 às 09:14
Na semana passada, escrevi sobre a Amazônia estar para além do garimpo, afirmando que existem “outros ouros” nessas terras, que ainda não foram devidamente explorados. Estava me referindo, como você deve se lembrar, às potencialidades econômicas de algumas plantas da região.
Dando sequência, falarei, hoje, das possibilidades e potencialidades econômicas não exploradas de outras plantas, chamadas Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC). Nesse quesito, e isso é um dado de realidade, a Amazônia é poderosamente rica.
Todavia, devido a uma série de fatores, dentre os quais está o próprio processo de colonização da região, essa riqueza tem sido pouco explorada até o momento. Noutras palavras, desde a sua “invenção”, para utilizar aqui uma expressão de Neide Gondim, a Amazônia e o Brasil estão de costas um para o outro.
O Brasil não conhece a Amazônia, mas o mundo capitalista ocidental, sim, desde sempre. Como afirma Marilene Corrêa da Silva, e eu concordo com ela, “a Amazônia pode ser vista como uma formação econômico-social produzida, desde a sua origem, pela dinâmica do capitalismo e, portanto, sujeita aos processos de expansão e crise do capital”.
De fato, a região foi submetida, desde a invasão europeia, à lógica do capital, sendo submetida a uma forma predatória, exógena, de utilização de seus recursos naturais, um modelo de desenvolvimento que jamais levou em consideração as singularidades e as especificidades da sua biossociodiversidade.
Nesse sentido, o que prevalece na Amazônia é o mimetismo, com modelos de desenvolvimento forjados fora da região. Isso impediu e ainda impede qualquer tentativa de se criar um modelo de desenvolvimento alternativo, adaptado ao trópico.
Alfredo Homma, no texto Extraindo, manejando e domesticando os recursos da biodiversidade amazônica (2021) afirma que “a biodiversidade nativa ainda não ocupou parte relevante do seu potencial, que pode aliar preservação ambiental, renda e qualidade de vida para os agricultores da Amazônia”
De fato, Homma tem razão, o que prevalece, hoje, do ponto de vista da utilização econômica de produtos da flora ou mesmo da fauna, é a biodiversidade exótica.
À guisa de exemplo, utilizando as informações proporcionadas por ele, a Amazônia está cheia de “bovinos e bubalinos, de cafeeiros, de dendezeiros, de soja, de pimenta-do-reino, de bananeiras, de juta, de coqueiros, de laranjeiras etc.”.
Tudo exótico!
Para piorar, plantas nativas de relevância econômica, outrora fonte de riqueza da região, já domesticadas ou manejadas, como o cacaueiro, o cupuaçuzeiro, a castanheira-do-pará, o açaizeiro, o guaranazeiro, a pupunheira, a seringueira e o jambu, por exemplo, estão sendo produzidas em outros estados do Brasil ou em outros países.
Desde 1997, o Brasil importa castanha-do-pará coletada no Peru e na Bolívia, esta, hoje, a maior exportadora mundial. O cacau, por sua vez, é largamente produzido na Bahia; aliás, isso ocorre desde 1746.
De acordo com Homma, somente em 2016, depois de quase dois séculos, a produção de cacau do estado do Pará conseguiu suplantar a produção da Bahia, afetada, desde 1989, pela doença chamada vassoura-de-bruxa.
Ademais, a Bahia produz cerca de 70% a 75% do guaraná do país desde a década de 1980, bem como cupuaçu e pupunha. Mato Grosso, por sua vez, cultiva o guaranazeiro e a seringueira. São Paulo cultiva açaizeiro, pupunheira, seringueira e está fazendo grandes plantios de jambu. Aliás, São Paulo, Bahia e Santa Catarina concentram mais de 80% da área plantada de pupunheiras do país.
Fora do circuito das plantas já conhecidas, a lista de PANC da Amazônia é imensa, assim como seu potencial econômico. Mas apenas poderá se desenvolver desde que sejam superados os entraves de domesticação e cultivo, uma vez que somente pela via do extrativismo não é possível atender a demanda quando o mercado se expande.
Ainda segundo o pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, Alfredo Homma, poderiam ser exploradas comercialmente de forma mais verticalizada: o camu-camu, o piquiá, o taperebá, o patauá, a bacaba, o buriti, o tucumã, o amapá, o bacuri, o uixi, o urucum e mais dezenas de outras espécies.
No texto Frutas comestíveis na Amazônia, de Paulo Bezerra Cavalcante, um dos maiores taxonomistas da Amazônia, falecido em 2006, há uma lista “com 163 frutas comestíveis na Amazônia, metade constituída de fruteiras nativas. Esse aspecto, segundo o autor, realça o potencial de plantas que poderão ser incorporadas na atividade econômica da região no futuro.
Concluo este texto reafirmando que o potencial da flora nativa amazônica é real, amplo e diversificado. Há um amplo mercado de Plantas Alimentícias Não Convencionais a ser explorado.
Todavia, para a efetivação desse potencial é preciso pesquisa, investimento em ciência na Amazônia e, acima de tudo, é imprescindível mudar a lógica da exploração predatória por uma lógica simbiôntica, que leve em conta as epistemologias autóctones e suas perspectivas teleológicas.
Como dito na semana passada, chega de mimetismo, a Amazônia possui outras riquezas, possui “outros ouros”, ela está, portanto, para além do garimpo, seja ele autorizado ou explorado criminosamente na região.
*Sociólogo
Foto: Divulgação